NO MAR
Ontem estava azul… Ontem olhava para o céu
Com uma doçura muito vaga de pupila infante.
Na sua ampla lua regia altivo, sem ânsias, e
O sol contemplou muito a sua cabeça de avô,
De eterno avô louro de formidável cabeleira.
Ontem estava azul… A suave esfumação
Dos seus líquidos anelados filigranou em marfim
A bruma de um laço de brumosa evanescência
Beijava fragilmente a branca iridiscência
A seda resplandecente do manto de safira.
Ontem, ao pôr-se o sol, a serenidade mística
Dos olhos extasiados das almas liláses
Reflectiu-se magnanimamente. A Entranha cabalística
Dormia nos seus mistérios. O seu olhar de áspide
Estendeu a lua tardia pelo vidro sem fim:
Vi o estranho aspecto de um grande beijo bendito
Sublimando as águas… Um beijo de zénite.
E o mar mudo, solene como se cumprisse um rito
Devolvia-a trémulo no seu espelho infinito
Mais vago, como um eco, balbuciante, senil…
Hoje é cinzento… Um enorme segredo nas suas entranhas
Subleva a sua potência. As líquidas montanhas
Juntam-se, agigantam-se… E: oh magia do cinzento!
Hoje revolve as fezes do seu mistério gelado
Reflecte turvamente um sol encoberto
É chumbo é gelo é morte… E amo-o mais assim.
(Poema dos cadernos II e III)
In “O Mar na Poesia da América Latina”
Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos
Tradução José Agostinho Batista
Assírio & Alvim
Delmira Agustini
1886 – 1914
(Poetisa uruguaia)
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