CANÇÃO PARA ALBUM DE MOÇA
Bom-dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria.
Bom-dia mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom-dia à moça que estava,
de noite como de dia,
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom-dia.
Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria
ou tarde vier, contudo
esperarei o bom-dia.
E sobre casas compactas
sobre o vale e a serrania,
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom-dia.
O tempo é talvez ingrato
e funda a melancolia
para que se justifique
o meu absurdo bom-dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.
Bom-dia: repito à tarde,
à meia-noite: bom-dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom-dia.
Bom-dia: apenas um eco na mata
(mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
ao meu bom-dia: bom-dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia.
In “Obra Poética” – 3.º vol.
Carlos Drummont de Andrade
(1902-1987)
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