SIMPLICIDADE
Eu queria ser simples naturalmente
sem o propósito de ser simples.
Saberia assim sofrer com mais calma
e rir com mais graça.
Saberia amar sem precipitações.
Os meus sonhos não meteriam esses rumos impossíveis
de terras mais além.
Bastar-me-ia a curta travessia no mar de canal
num dos nossos minúsculos veleiros
para ir conhecer a ilha defronte.
Não teria ambições de posses e grandezas.
Contentar-me-ia
com os insignificantes objectos que os pobres estimam
algum canivete com argola para pendurar no cinto
que bem me serviria para picar na palma da mão
o tabaco para o cachimbo.
Ou talvez quisesse um relógio barato
desses que vinham do Japão antes da guerra.
Chegá-la-ia ao ouvido do meu filho mais novo
só para lhe ver no rosto
a expressão de espanto e curiosidade.
E quando estivesse assentado à porta de casa
nas pesadas noutes de Verão
veria as horas no mostrador luminoso.
Eu queria ser simples
e a minha vida seria
sem egoísmos, sem ódios, sem invejas, sem remorsos.
A minha felicidade
não incomodaria ninguém
nem haveria impropérios nem blasfémias
nos meus momentos difíceis.
Seria sem gramática
a minha poesia,
feita toda de cor
ao som do violão
com palavras aprendidas na fala do povo.
Eu queria ser simples naturalmente
sem saber que existia a simplicidade.
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Jorge Barbosa
(Poeta Cabo-Verdiano)
1902 – 1971
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