MORTE DE BOA BOCA
Caem mais soldados numa só batalha
Que narcejas em muitas batidas de caça.
Através de despachos numerados
O general calcula em dezenas de milhar
Os caídos do dia
Estabelecendo listas e estatísticas.
Em algarismos a Morte não tem cheiro
Não tem face não tem nome.
Uma operação de cálculo
Que os exércitos evoluídos
Escrevem à máquina.
A Morte de boa boca
Come soldados soldados soldados
E nunca, quase nunca generais.
In “Três Momentos da Poesia Europeia”
(De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas)
Selecção, tradução e notas de Albano Martins
Edições Afrontamento
Raffaele Carrieri
(1905-1984)
PALAVRA QUE DESNUDO
Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a impercetível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo
In "Raiz de Orvalho e outros poemas"
Editorial Caminho
Mia Couto **
(N. 1955)
** Nome literário de António Emílio Leite Couto
MURMÚRIOS DE BÚZIO
A canção madrugada
Rompe devagarinho...
Nos caminhos da vida,
O amor é profundo.
Nós dois acordados,
A flutuar em sonhos
Num êxtase de amores...
Do outro lado do mar
Poemas de encantar
Num borbulhar de cores...
A praia é de poentes...
Onde só ouço
Murmúrios de búzio...
In “Murmúrios de búzio”
Editorial Minerva
Cristina Sant'Ana Costa
UM INSTANTE
Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente
In "Muitas Vozes"
Ferreira Gullar **
(1930-2016)
** Pseudónimo de José Ribamar Ferreira
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