HÁBITOS DE AMAR
Não é exacto que o prazer só perdura.
Muita vez vivido, cresce ainda mais.
Repetir as mil versões prévias, iguais
É aquilo que a nossa atracção segura:
O frémito do teu traseiro há muito
A pedi-las! Oh, a tua carne é ardil!
E a segunda é, que traz venturas mil,
Que a tua voz presa exija o desfruto!
Esse abrir de joelhos! Esse deixar-se coitar!
E o tremer, que à minha carne sinal solta
Que saciada a ânsia, logo te volta!
Esse serpear lasso! As mãos a buscar-
Me. Tua a sorrir!
Ai, vezes que se faça:
Não fossem já tantas, não tinha tanta graça!
In “Da Sedução, Poemas Eróticos”
Tradução de Aires Graça
Editorial Bizâncio - 2004
Bertolt Brecht
(1898-1956)
DEITO-ME A TEU LADO
Deito-me a teu lado. Sou a tua sombra
no lençol. Vou decifrar a luz dos teus olhos,
não me dás tempo. Os teus dedos tocam-me no rosto,
descem à garganta, começam a soletrar
o mapa do meu corpo: um grão sob a axila, uma pálpebra
que cintila, o rubor do mamilo
e já teus dentes se ocupam
do outro. Pressionas músculos e ossos
ao mesmo tempo que toco ao de leve
um seio, um lábio: quero deter-me no joelho
onde leio quedas na neve
e no ballet. Não me dás tempo.
Os corpos rodam, as mãos buscam outra terra,
outras águas. Os seios na virilha,
a barriga no pescoço. Estaremos a caminhar
demasiado depressa? Acaricias onde prometo
uma haste de sol. Uma casa voadora
na margem deste mundo tão previsível.
Erigimos com os nossos corpos
a mais efémera das esculturas. As tuas mãos
convidam-me a voar. Agora sou eu
quem não te dá tempo, escavando e descendo
à fenda silenciosa. Ouço-a. Um canto leve
e depois allegro e depois mais fundo.
Já não sei onde estou, quem sou
sobre as fontes e os rios e os abismos
de ti. Sentas-te, lama delicada, no meu peito
e desces e ajustas os teus ninhos
ao pequeno pássaro que pouco a pouco
se agita. Palpo e bebo e retenho a terra volátil.
a espuma, a vegetação de coxas, nádegas, mamas e águas
flutuantes. Ora subo ao chão ora me enterro
no ar, no lábio onde começa uma árvore
que se eleva até às nuvens. Não me dás tempo,
eu quero a eternidade mas tu não me dás tempo
para te contemplar. Ânfora nua
que bebo por fora e por dentro.
Dou-te a minha vida em troca da tua.
In “69 Poemas de Amor”
4Águas Editora - 2008
Casimiro de Brito
(N. 1938)
A VIDA
No limiar do outono
num silencioso
pôr-do-sol
descobres a onda do tempo
e a tua secreta
rendição
como de ramo em ramo
a queda
leve dum pássaro
cujas asas já não o sustêm.
Tradução de Albano Pina
In "Paroles" - 1939
Antonia Pozzi
(1912-1938)
RECORDAÇÃO
A lua não brilhava, sacudidas
pelo vento as ramagens queixavam-se.
Chispas de luz vertiam as estrelas
sobre as trémulas águas.
Sob seu incerto esplendor eu via
rolar por suas faces uma lágrima
e, toda trémula, entre suas mãos hirtas
minhas mãos apertava.
Mas de repente de seus olhos negros
o vivo raio penetrou minha alma,
e, retirando sua mão das minhas,
seu olhar afastava.
A altiva fronte levantou serena;
sorriso amargo em seus lábios vagueava…
e, pálidos nós dois e silenciosos,
deixámos a ramada.
Tradução José Bento
In “Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro”
Assírios & Alvim
Angel María Dacarrete
(1827-1904)
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