Segunda-feira, 30 de Maio de 2016

Eu li... Carlos Drummond de Andrade

AS SEM-RAZÕES DO AMOR

 

Eu te amo porque te amo.

Não precisas ser amante,

e nem sempre sabes sê-lo.

Eu te amo porque te amo.

Amor é estado de graça

e com amor não se paga.

 

Amor é dado de graça,

é semeado no vento,

na cachoeira, no eclipse.

Amor foge a dicionários

e a regulamentos vários.

 

Eu te amo porque não amo

bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

feliz e forte em si mesmo.

 

Amor é primo da morte,

e da morte vencedor,

por mais que o matem (e matam)

a cada instante de amor.

 

In “O Corpo”

 

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

Brasil

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ver comentários (1) | favorito
Sexta-feira, 20 de Maio de 2016

Eu li... Pablo Neruda

ÁGUA SEXUAL

 

Rodando calhas solitárias,

há gotas como dentes,

há espessas goteiras de marmelada e sangue,

rodando a calha,

cai a água,

como uma espada em gotas,

como um desgarrado rio de vidro,

cai mordendo,

golpeando o eixo da simetria, pegando nas costuras

da alma,

rompendo coisas abandonadas, empapando o obscuro.

 

Somente é um sopro, mais húmido que o choro,

um líquido, um suor, um óleo sem nome,

um movimento agudo,

fazendo-se, espessando-se,

cai a água,

a gotejadas lentas,

em direcção ao seu mar, ao seu seco oceano,

à sua onda sem água.

 

Vejo o verão extenso, e um estertor saindo de um celeiro,

bares, cigarras,

populações, estímulos,

habitações, crianças dormem com as mãos no coração,

sonham com bandidos, com incêndios,

vejo barcos,

vejo árvores de medula

enraizados como gatos raivosos,

vejo sanje, punhais e meias de mulheres,

e pelos de homem,

vejo camas, vejo corredores onde grita uma virgem,

vejo lençóis e órgãos e hotéis.

 

Vejo os sonhos sigilosos,

admito os dias postergados,

e também as origens, e também as recordações,

como uma pálpebra atrosmente levantada a força

estou olhando.

 

E então há esse som:

um ruido vermelho de ossos,

um grudar-se de carne,

e pernas amarelas como espigas juntando-se.

Eu escuto entre o disparo dos beijos,

escuto, sacudindo entre respirações e soluções.

 

Estou vendo, ouvindo,

com a metade da alma no mar e a metade da alma

na terra,

e com as duas metades da alma olho o mundo.

 

E ainda que feche os olhos e me cubra o coração inteiramente,

vejo cair uma água surda,

a grossas gotas surdas.

É como um furação de gelatina,

como uma catarata de espermas e medusas.

Vejo correr um arco iris turvo.

Vejo passar suas águas através dos ossos.

 

In “Residencia en la Tierra 2”

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

Chile

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Terça-feira, 10 de Maio de 2016

Eu li... Fernanda de Castro

O SEGREDO É AMAR

 

O segredo é amar. Amar a Vida

com tudo o que há de bom e mau em nós.

Amar a hora breve e apetecida,

ouvir os sons em cada voz

e ver todos os céus em cada olhar.

 

Amar por mil razões e sem razão.

Amar, só por amar,

com os nervos, o sangue, o coração.

Viver em cada instante a eternidade

e ver, na própria sombra, claridade.

 

O segredo é amar, mas amar com prazer,

sem limites, fronteiras, horizonte.

Beber em cada fonte,

florir em cada flor,

nascer em cada ninho,

sorver a terra inteira como o vinho.

 

Amar o ramo em flor que há-de nascer,

de cada obscura, tímida raiz.

Amar em cada pedra, em cada ser,

S. Francisco de Assis.

 

Amar o tronco, a folha verde,

amar cada alegria, cada mágoa,

pois um beijo de amor jamais se perde

e cedo refloresce em pão, em água!

 

In "Trinta e Nove Poemas"

 

Fernanda de Castro

(1900-1994)

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Maio 2017

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.posts recentes

. Eu li...

. Eu li... Olavo Bilac

. Eu li... António Botto

. Eu li... Charles Baudelai...

. Eu li... Su Dongbo

. Eu li... Jacinta Passos

. Eu li... Laura Riding

. Eu li... Carlos Drummont ...

. Eu li... Juan Ramón Jimén...

. Eu li... Vincenzo Cardare...

.arquivos

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds