DELÍRIOS RUBROS
Quebro as nervos teu torturas
como contas ressequidas,
crispados por amarguras
nas minhas noites perdidas!
Ando na vida às escuras...
Se estendo as mãos doloridas,
abrasam-me mordeduras
de bocas encandescidas!
Sempre a fúria dos desejos,
a gritar pelos teus beijos
incendiando o meu sangue...
Traz-me o vento em seus clamores
presságios de novas dores —
e eu fico desfeita, exangue!
In “Decadência”
Judith Teixeira **
(1880-1959)
** Judite dos Reis Ramos Teixeira
MEDITAÇÃO
Esta noite foi longa. Longa e vária
de segredo e mistério. Noite densa.
Invisível, tirânica presença
povoou a minha noite solitária.
Ah, a insónia com longas mãos de opala
e fundos olhos cegos!
E o pensamento à solta como o vento
- montes e vales, oceanos, pegos!...
e a cabeça que estala,
a cabeça que estala!
Pensar! Como se o humano entendimento
para tanto chegasse! Meditar
em sofás de ridículas saletas
no sábio movimento dos planetas.
Filosofar, oh irrisão,
enquanto mal ou bem
se faz a digestão,
sobre a morte, o devir,
o mistério do ser e do não ser,
e tudo isto a sério, sem sorrir,
como se enfim tudo estivesse dito:
o Caos, a Criação, Deus e o Infinito.
E nem sequer escondes por decoro,
triste mortal com asas de besouro,
ó depenado arcanjo,
que te crês Deus ou pelo menos anjo.
Esta noite foi longa. Longa em mim,
auroral e lunar, sem princípio nem fim.
Meditação
inútil sobre as grades da prisão.
Meditação sobre a existência,
(Existirá ou não?,
ou será tudo simples aparência,
colectiva ilusão?)
Esta noite foi longa. Longa e bela,
calma e branca vigília.
Um fio de luar entrou pela janela
e um doce cheiro a tília.
Abstracções metafísicas, problemas?
O firmamento era um brocado azul bordado a ouro,
fabuloso tesouro
de incomparáveis gemas.
Tudo era silêncio, quietação.
Compreendi então
que o essencial não era compreender
mas sentir e aceitar
a vida e a morte, o bem e o mal,
a flor, o luar
e a ignorância total.
Não mais filosofias de vaidoso esteta
e não mais este orgulho: sou poeta.
Razão
tem-na, talvez, o louco sem razão,
tem-na o monge na cela,
o cego de nascença, a pedra, o sapo,
a boneca de trapo.
O mais é tudo igual: poetas, corifeus...
Esta noite foi longa. Longa e bela.
Encontrei Deus.
In “Exílio”
Fernanda de Castro
(1900-1994)
ESQUEMA
ASA - Mas não de perto,
que de perto não vôo,
vou de rastos.
Anjo deserto,
são as asas, primeiro, que me rôo
ao silêncio dos astros.
(Quanto pode esta fome de viver
que de mim se sustenta e me sustém!
Tudo o que é não-morrer
me sabe bem).
In “Linha de Terra”
Editorial Inquérito – 1952
António de Sousa
(1898-1981)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...