SILÊNCIO
Escuro ciciar do vento
na seara
A vítima pronta ao sofrimento
As raízes estão caladas
mas as espigas
sabem muitas línguas maternas -
E o sal no mar
chora na distância
A pedra é uma existência de fogo
e os elementos puxam pelas cadias
pra a união
quando a escrita espectral das nuvens
recolhe imagens primevas
Mistério na fronteira da morte
«Põe o dedo nos lábios:
Silêncio Silêncio Silêncio»
In “Poemas de Nelly Sachs”
Versão portuguesa e introdução de Paulo Quintela
Editora Portugália
Nelly Sachcs
(Poetisa Alemã)
1891 – 1970
EPÍSTOLA PARA OS MEUS MEDOS
Sois: os sons roucos, a espera vã, uma perdida imagem.
O coração suspende o seu hálito e os lábios tremem
sinto-vos, vindes ao rés da terra, como ventos baixos,
poisais no peitoril. Sois muito antigos e jovens,
da infância em que por vós chorava encostada a um rosto.
Que saudade eu tenho, ó escuridão no poço,
ó rastejar de víboras nos caniços, ó vespa
que, como eu, degustaste o figo úbere.
Depois, mundo maior foi a presença e a ausência,
a alegria e as dores de outros que não eu.
E um dia, no alto da catedral de Gaudí,
chorei de horror da Queda, como os caídos anjos.
In “Epístolas e Memorandos”
Editora Relógio d'Água - 1996
Fiama Hasse Pais Brandão
1938 – 2007
PRAIA
Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.
Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.
Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.
As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.
E ema antiquíssima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.
In “Coral“
Editora Caminho
Sophia de Mello Breyner Andresen
1919 – 2004
TORTURA
Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
– E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
– E ser, depois de vir de coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto! !
Livro de Mágoas – 1919
In “Sonetos de Florbela Espanca ”
Colecção Autores Portugueses de Ontem
Edição da Livraria Estante – Junho.1988
Florbela Espanca
1894 – 1930
QUE DESLIZE
Onde seus olhos estão
as lupas desistem.
O túnel corre, interminável
pouco negro sem quebra
de estações.
Os passageiros nada adivinham.
Deixam correr
Não ficam negros
Deslizam na borracha
carinho discreto
pelo cansaço
que apenas se recosta
contra a transparente
escuridão.
In ”A teus pés”
Editora Brasiliense – São Paulo
Ana Cristina Cesar
(Poeta Brasileira)
1952 – 1983
ODE À TRISTEZA
Eu canto esta alegria
(entristecida)
de tanto te lembrar
e ser saudade
E a minha voz é forte
timbrada de dias
e distâncias
com as palavras todas mastigadas
(E se tristeza tenho
que me reste
não me julgues parada
ou indecisa
Cristalizei meus olhos de chorarem
e o meu olhar é firme,
certeiro ao teu encontro)
Eu canto esta alegria
de segredar-me ao vento
e seguir viagem
em direcção de ti
leve
impensada
informe
e num fluir de aragem
ser transformada em ar
Pedaço que respiras.
E nos meus dedos mansos
-veludos que pisaram
teu corpo em movimento-
vou amarrar o tempo
as letras do teu nome
E depois morrer.
Eu canto esta alegria
de saber-te
In “Esta Coisa Quase Vida”
Editora Fora do Texto
Manuela Amaral
1934 – 1995
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...