EROS E PSIQUE
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
In “Presença nº. 41 – 42, Maio de 1934”
Poesias – Edições Ática
Fernando Pessoa
1888 – 1935
O BEIJO
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
In 'No Reino da Dinamarca'
Editora Relógio D'Água
Alexandre O'Neill
1924 — 1986
CÉU
Tenho uma sede imensa,
mas não é de água…
Tenho uma sede imensa de beber
os soluços do Sol quando declina,
as carícias azuis do Luar de Agosto,
os tons rosa da Tarde que se fina…
É que eu seria poeta, se os bebesse…
Não mais seria o cego de olhos limpos;
esse que viu a água e a não tocou,
pelo estranho pudor da sua boca
que um dia blasfemou.
E, se eu pudesse beber
esses longes de mim que vejo e quero,
em espasmos havia de os mudar
e, num desejo nunca satisfeito,
iria possuir-te, ó Mar!
Havia de cair, num beijo sobre ti;
despir as minhas vestes de serrano,
tirar de mim aquilo que é humano,
E confundir-me em ti.
Gritem depois, embora, que eu morri;
alegre o Mundo o alívio do meu peso;
- que um dia o Sol há-de surgir mais cedo
e o bom menino de olhos azuis,
de quem sou fraco arremedo,
há-de nascer, ó Mar, da nossa noite de Amor!
E tu, Menina que eu chamava,
Menina que eu chamava e encontrei
Mas abrasada no Amor divino
- tu hás-de ver então que o Céu que idealizas
É o olhar azul desse menino.
In “Serra - Mãe”
Ed. Ática – 1957
Sebastião da Gama
1924 – 1952
MORS – AMOR
(A Luiz de Magalhães)
Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,
Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terríveis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
Não sei que horror nas crinas agitadas?
Um cavaleiro de expressão potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,
Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: ”Eu sou a Morte!”
Responde o cavaleiro: “ Eu sou o Amor!”
In “Sonetos Completos”
Prefácio de Oliveira Martins
Publicações Anagrama – 1980
Antero Quental
1842 – 1891
OS AMANTES SEM DINHEIRO
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.
In “Antologia Breve”
Editora Limiar – Outubro.1985
Eugénio de Andrade
1923 – 2005
A DANÇA DO B
Um dia, o boi, o burro, o besouro,
O borrego, o búfalo e a borboleta
Repararam que os seus nomes
Começavam todos por b.
Disseram ao mesmo tempo:
Que bonito!
O bacalhau, o berbigão, o besugo
E o búzio, lá no mar,
Repararam que os seus nomes
Também começavam por b.
Disseram todos assim:
Que bonito!
Veio logo uma baleia de longe,
A gritar. Esperem,
Esperem aí por mim!
In “Um Peixe no Ar”
Plátano Editora - 1977
Maria Alberta Menéres
N. 1930
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...