MUITO POUCA
a morte é uma coisa muito pouca
em nada se compara ao crescimento das constelações
a morte não respira nem se expande desde o centro
como fazem as estações desde o coração da terra
e assim eu sei que um sorriso é precioso
porque respira e alarga-se dentro dos olhos
e quando chega ao lugar em que a mão se abre
é já uma forma de sossego uma lua coberta de luar
um modo certo de trocar nomes em dias de excepção
In “Um Mover de Mão”
Editora Assírio & Alvim – 2000
Vasco Gato
N. 1978
NATAL
Natal. Nasceu Jesus. O boi e a ovelha
deram-lhe o seu alento, o seu calor.
De palha, o berço, mas também de Amor.
Desce luz, desce paz de cada telha.
Nem um carvão aceso nem centelha
De lume vivo. A dor era só dor,
até que a mão trigueira dum pastor
floriu em pão, em leite, em mel de abelha.
Natal. Nasceu Jesus. Dias de festa.
Até o cardo é hoje rosa, giesta,
até a cinza arde, como brasa.
E nós? Que vamos nós dar a Jesus?
Vamos erguer tão alto a sua Cruz
que não lhe pese mais que flor ou asa.
In “Natais… Natais”
Fernanda de Castro
1900 – 1994
TU QUERES SONO: DESPE-TE DOS RUÍDOS
Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.
In "A Teus Pés”
Editora Ática – São Paulo – Brasil
Ana Cristina Cesar
(Poetisa Brasileira)
1952 – 1983
SEM TÍTULO
Um dia não muito longe assistiremos à colisão
dos planetas e o céu diamantado
acabará submerso em escombros.
Então colheremos flores rutilantes
e estrelas de néon.
Olha, eis o sinal, um fogo
acende-se no céu, chocam-se
Júpiter e Órion e no terrível
estampido onde acabou o homem?
Certo que basta um sopro neste mundo
em que vivemos para que ele acabe.
Ficará talvez um grito, o da
terra que não quer perecer.
In “Revista Palavra" – Ano 1 – nº 7 – Outubro.1999
Editora da Palavra – Belo Horizonte (MG)
Tradução de Ivo Barroso
Eugenio Montale
(Poeta Italiano)
1896 – 1981
VELHO TEMA I
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
VELHO TEMA II
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.
Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.
Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
In "Poemas e canções"
Ed. Saraiva – São Paulo – Brasil – 1965
Vicente de Carvalho
(Poeta Brasileiro)
1866 – 1924
O ETERNO FEMININO
Ninguém vive sem amor,
Neste mundo sub-lunar.
Cada pomba tem seu par,
Cada zagala um pastor.
O doirado pica-flor
Ama a rosa-de-toucar;
Enfim, na terra e no mar,
É Ele o rei, o senhor.
Pois que amar é lei sem metas,
Amemos, cantando aos ventos
As nossas musas dilectas.
Até os próprios jumentos
Têm, como nós os poetas,
Burras dos deus pensamentos.
In “Canto do Cisne”
Livrarias Aillaud e Bertrand – Paris-Lisboa – 1923
João Penha
1838 – 1919
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...