PORQUE
Porque o teu corpo é verde quando o penso
e o teu silêncio é branco no meu sono
Porque os teus braços são grandes planícies
onde eu caibo em êxtase e em abandono
Porque o teu torso é o feltro que me nimba
e as tuas mãos são o sol da quentura
Porque o teu sorriso é um lustre acordado
e o teu coração é um lar de ternura
Porque a tua boca é a fonte mais pura
onde a sede me morre alegremente
Porque os teus olhos são caleidoscópios
onde o meu coração não se desmente
Porque és para mim a árvore infinita
e para ti eu sou a eterna flor
É que o tempo se alonga de joelhos
quando um de nós soletra Meu amor
In “Poemas Tri Angulares”
Elefante Editores
Manuela Correia
N. ?
SINA
Por que você me leva a fazer
coisas que no fundo,
eu não queria?
Coisas que não posso controlar?
Por que, olhando nos teus olhos
eu vejo além da vida,
eu olho um passado remoto,
um encontro, uma despedida?
Por que, a sensação de pecado,
de erro,
de caminhos cruzados,
essa força que nos atrai? Por que, por um acaso do destino
você cruzou meu caminho
e, agora,
não sei como desviar?
Por que, sem querer, fui te encontrar,
se não era nada que eu procurava,
se você já havia demarcado sua vida
e eu estava fora, escondida?
Por que, por que, por quê?
Como as respostas encontrar
como fugir de tua boca
com essa vontade louca de te beijar?
Por que será que o destino
fez a gente se encontrar
será que é um teste,
ou um acaso singular?
E agora, fico a perguntar
porque pergunto tanto
sem ter a quem perguntar
porque te quero tanto e não posso confessar?
Não sei o que responder
não consigo solução encontrar
estou em luta comigo
só sei que não posso te amar!
Tua vida, minha vida,
cada um em seu lugar
nosso caso não tem saída
nisso temos que pensar...
Não posso abdicar de tudo
todos os meus princípios
jogados fora , pelo ar,
terei que lutar, forças encontrar...
Deixar que sigas teu caminho
se carinho tens que a outra dar
e vivas em paz tua vida
e não voltes a me procurar!
Deixa-me só, seguindo solidão,
essa é minha sina
sofrer em vão
sem ter ninguém para amar!
In “O canto da Rosa”
Janete Rodrigues Ribeiro
(Poetisa Brasileira)
N. 1939
UTOPIA
Deus é dia - noite
inverno - verão
guerra - paz
penúria - saciedade:
era este o credo da Montanha
Dormindo velávamos.
Quantas vezes a ti voltei
regaço
e a ti voltarei
horizonte da meta?
Não do preciso ou impreciso desejo
mas doar pleno
sendo Deus oferenda e altar.
Quem desperta do gesto litúrgico
de si mesmo feito
sente o peito pulsar
silêncio
e dança.
In “Poesia Reunida”
Topbooks Editora - Rio de Janeiro - Brasil
Dora Ferreira da Silva
(Poetisa Brasileira)
1918 – 2006
MIRAMAR
Acender um cigarro na praia, proteger
o difícil estertor da pequena chama. Anular
o vento na manga do teu casaco. Reter
preso entre os dedos o princípio breve
dessa efémera combustão.
In “Teoria da Imunidade”
Felício & Cabral - Publicações
Inês Lourenço
N. 1942
O MUNDO DO MENINO IMPOSSÍVEL
Fim da tarde, boquinha da noite
com as primeiras estrelas
e os derradeiros sinos.
Entre as estrelas e lá detrás da igreja,
surge a lua cheia
para chorar com os poetas.
E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:
o sol e os meninos.
Mas ainda vela
o menino impossível
aí do lado
enquanto todas as crianças mansas
dormem
acalentadas
por Mãe-negra Noite.
O menino impossível
que destruiu
os brinquedos perfeitos
que os vovós lhe deram:
o urso de Nürnberg,
o velho barbado jugoeslavo,
as poupées de Paris aux
cheveux crêpés,
o carrinho português
feito de folha-de-flandres,
a caixa de música checoslovaca,
o polichinelo italiano
made in England,
o trem de ferro de U. S. A.
e o macaco brasileiro
de Buenos Aires
moviendo la cola y la cabeza.
O menino impossível
que destruiu até
os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papá Noel,
brinca com sabugos de milho,
caixas vazias,
tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio...
“Faz de conta que os sabugos
são bois...”
“Faz de conta...”
“Faz de conta...”
E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade...
e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro...
E as pedrinhas balem!
Coitadinhas das ovelhas mansas
longe das mães
presas nos currais de papelão!
É boquinha da noite
no mundo que o menino impossível
povoou sozinho!
A mamãe cochila.
O papai cabeceia.
O relógio badala.
E vem descendo
uma noite encantada
da lâmpada que expira
lentamente
na parede da sala...
O menino poisa a testa
e sonha dentro da noite quieta
da lâmpada apagada
com o mundo maravilhoso
que ele tirou do nada...
Xô! Xô! Pavão!
Sai de cima do telhado
Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!
In “Obra Completa – Vol. I”
Editora José Aguilar Lda. - Rio de Janeiro - 1.ª ed.
Jorge de Lima
(Poeta Brasileiro)
1893 – 1953
CHOVE
A chuva cai.
Os telhados estão molhados,
Os pingos escorrem pelas vidraças.
O céu está branco,
O tempo está novo.
A cidade lavada.
A tarde entardece,
Sem o ciciar das cigarras,
Sem o jubilar dos pássaros,
Sem o sol, sem o céu.
Chove.
A chuva chove molhada,
No teto dos guarda-chuvas.
Chove.
A chuva chove ligeira,
Nos nossos olhos e molha.
O vento venta ventado,
Nos vidros que se embalançam,
Nas plantas que se desdobram.
Chove nas praias desertas,
Chove no mar que está cinza,
Chove no asfalto negro,
Chove nos corações.
Chove em cada alma,
Em cada refúgio chove;
E quando me olhaste em mim,
Com os olhos que me seguiam,
Enquanto a chuva caía
No meu coração chovia
A chuva do teu olhar.
In “Inéditos e Dispersos”
Editora Ática
Ana Cristina César
(Poetisa Brasileira)
1952 – 1983
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