LÁ NO ÁGUA GRANDE
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
In “É Nosso o Solo Sagrado da Terra”
Alda Espirito Santo
(Poetisa Santomense)
1926 – 2010
A BATALHA
Insistente é o mar que para tocar o teu corpo,
agarra a sossegada luz e a ti a cinge,
sobre a tua inviolada e suavíssima pele senti o rumor
do transparente fluir que nela o oceano inicia.
Então, como rodear com as minhas mãos escuras
a invasão húmida do poderoso corpo movediço
e fazer resvalar para um abismo os seus translúcidos membros,
para um universo submerso que proíbe o regresso?
Esta surda batalha que travo com o mar
é um intimo desprendimento das coisas do mundo.
In “O Mar na Poesia da América Latina”
Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos
Tradução José Agostinho Batista
Assírio & Alvim
Oscar Acosta
(Poeta Hondurenho)
N. 1933
ODE À TRISTEZA
Dias nulos me enovelam numa bolha
Jazem rotas as antigas ilusões
Existir nesse marasmo sem escolha
O que resta, horas mortas sem paixões.
Enumero sem beleza esses vilões
Que tingiram de horror os meus momentos
Retalharam meu futuro e em senões
O que resta de existir em fragmentos.
Horas tolas, rabiscar desses sentidos
Sem pudores os meus ais mais doloridos
A tingir de tom cinzento ode à tristeza.
De mau gosto essa atitude, sem beleza
Sensação que me desola e faz banida
Sem desfecho, foge ao eixo, morte em vida!
Ana Maria Gazzaneo
(Brasileira)
N. 1960
AMOR E MAR
Tal como a moeda, vai de porto em porto,
e como a moeda, chaga-me já usada.
Entra em mim como entra a manhã na chaga.
Tal como os barcos, ele só existe quando anda.
Com os seus beijos povoa-me de geografia o corpo,
digitais idiomas fala a sua pele de mar.
Mas há algo daquilo que me deixa, o mesmo
que o mar quando atira os náufragos à praia e se vai.
Morde como uma serpente dentro de uma esmeralda,
ama como o relâmpago, mata com a claridade,
corvos não equivocados, que famintos disputam
cadáveres de beijos que há na sua pele de mar.
A sua cruel beleza escrevo sobre um papel que as crianças
transformam em barquinhos quando há água ao chorar.
Náufrago de orvalho que cai das suas pálpebras,
a água bate à porta do meu peito e vai-se.
Mas ela…
não chora de tristeza, não chora de alegria,
da sua gota de pranto saem monstros marinhos.
Com licença do século, sou anterior ao meu corpo,
não o posso salvar.
Obra Poética Completa
In “O Mar na Poesia da América Latina”
Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos
Tradução José Agostinho Batista
Assírio & Alvim
Manuel del Cabral
(Poeta Dominicano)
1907 – 1999
VENTO E BANDEIRAS
A ventania que alçou o amargo aroma
do mar às espirais dos vales,
e te assaltou, desgrenhou teu cabelo,
novelo breve contra o pálido céu;
a rajada que colou teu vestido
e rápida te modulou à sua imagem,
como voltou, tu longe, a estas pedras
que o monte estende sobre o abismo;
e como passada a embriagada fúria
retoma agora ao jardim o hálito submisso
que te ninou, estirada na rede,
entre as árvores, nos teus vôos sem asas.
Ai de mim! O tempo nunca arranja duas vezes
de igual maneira suas contas! E é esta a
nossa sorte: de outra maneira, como na natureza,
nossa história se abrasaria num relâmpago.
Surto sem igual, — e que agora traz vida
a um povoado que exposto
ao olhar na encosta de um morro
se paramenta de galas e bandeiras.
O mundo existe... Um espanto pára
o coração que sucumbe aos espíritos errantes,
mensageiros da noite: e não pode acreditar
que homens famintos possam ter sua festa.
Eugenio Montale
1896 – 1981
(tradução de Geraldo H. Cavalcanti)
BRINDO À SORTE
Tragam-me a taça verde de cristal
Com rubro vinho tinto especial!
Quero brindar à sorte que não vem,
Me fez promessas vãs, inda em criança,
Quando o sorriso tinha a confiança,
Que a vida fez perder neste vaivém.
A sorte me enganou de forma vil.
Encheu-me de ilusões, mas era ardil.
Bem cedo me deu auras de riqueza,
A mim, que sempre fui ambicioso
E muito trabalhei pra ser famoso,
Saltar fora das asas da pobreza.
Falhou no prometido? Ai, isso não.
Por certo uma varinha de condão
Encheu a minha vida de alto tom
E nos degraus da escada fui subindo.
Ora em paragem, ora regredindo,
A rota nunca foi doce bombom.
Podia ser melhor. Para outros foi
E, porque me esforcei, isso me dói.
Mas isso, agora, já pouco interessa.
Brindo à sorte por tudo que me deu
E peço que, se nunca me esqueceu,
De livrar-se de mim, não tenha pressa.
In “Os Confrades da Poesia”
Boletim Bimestral 45 – Jan/Fev.2012
Tito Olívio
N. 1931
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