COISAS DO AMOR
Se sentes o rosto corar
E o coração louco bater,
Se tens ânsia de estar
E imperativo de viver
- Isso, são coisas do amor.
Se na escuridão vês beleza
E captas o encanto
Do trinar do rouxinol,
Se te apaixonas tanto
No ocaso, como no nascer do sol
- Isso, são coisas do amor.
Se gostas de ver o regato
A deslizar em cascata
E branco cisne no lago
Por sob o luar de prata,
Se captas raios de luz
Na ramagem colorida,
Se a mensagem de Jesus
É fonte viva de vida
- Isso, são coisas do amor.
Se escutas a melodia
Que te rodeia, na natureza,
Se crês na profecia
De horóscopo ou da sina,
Se gostas de vela acesa
- Isso, são coisas do amor.
Amigo,
Escuta o que te digo:
Se não tiveres o que amas,
Ama, ao menos, o que tens.
Estoico, suporta a dor
De certas coisas do amor.
In “Coisas do Amor”
João Coelho dos Santos
N. 1939
SINO
Quisera Meu Senhor, que eu fosse aquela,
De quem tristeza e dor passassem longe.
Quisera assim tanger tal como tange,
Alegre, o sino daquela Capela.
Quisera Meu Senhor, que meus clamores,
Que as lágrimas que choro em desatino,
Pudessem transmutar o meu destino,
Em bênçãos, risos, preces e louvores.
Mas choro... e é tão sentido este meu pranto,
Que verto fartamente às escondidas,
Com o peito afundado em desencanto.
Ao longe escuto o sino da Capela.
Tangendo ele me diz que sou aquela,
Que chora no compasso do seu canto.
In “Palavras para Entorpecer o Coração”
Soler Editora
Fátima Irene Pinto
(Poetisa Brasileira)
N. 1953
CARTA DO MANUELINHO DE ÉVORA A
MIGUEL DE VASCONCELOS,
MINISTRO DO REINO POR VONTADE ESTRANHA
Tiraste-me o direito à vida mas eu vivo
mandaste-me prender mas eu sou livre
que não pode morrer não pode ser cativo
quem pela Pátria morre e só por ela vive.
Mandaste-me prender e preso não me prendes
tu ministro do reino por vontade estranha
tu que tudo vendeste e só não vendes
quem luta por seu povo e não por Espanha.
Vi os campos florir mas não ouvi
raparigas cantando em nossas eiras
nossos frutos eu vi levar e vi
na minha Pátria as garras estrangeiras.
Quem pode retê-lo?
Quem sabe a causa que sem cessar peleja?
E cavalga, cavalga.
Sei apenas que às vezes estremecemos:
é quando irrompe de repente à flor do ser
e nos deixa nas mãos
uma espada e uma rosa.
In “30 Anos de Poesia”
Publicações Dom Quixote
Manuel Alegre
N. 1936
DANÇA DAS PALAVRAS
Foste o mel que adoçou a vida amarga,
que a lua, tristemente, me trazia.
Foste uma taça erguida à alegria,
com o sabor secreto duma sarga.
Libertaste minha alma, duma carga
submersa de doutrina que atrofia.
Agora a noite é escassa e fugidia
e a madrugada é luz que não me larga.
Deste asas aos prazeres do desejo,
trouxeste brisas leves, onde vejo
a ilusão formar um novo abrigo.
Foste o pão e o vinho, que não tive,
e a valsa dos meus beijos, em declive,
na dança das palavras que não digo!
In “Emoções em Terra Doce”
Glória Marreiros
N. ?
ANTES DO POEMA
I
Quando o luar caiu
e tingiu de magia os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.
Cheguei quando as sombras revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de limites
o teu nome.
Não eras.
As nuvens estão densas de ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu corpo
mas não és.
Pedra a pedra encho a noite
do teu rosto sem medida
para te construir convoco os dias
pedra a pedra
no tempo que te consome.
As pedras crescem como vagas
no silêncio do teu corpo
Jorram e rolam
como flores violentas
no silêncio do teu corpo
E sangram. Como pássaros exaustos.
A noite e o vento se entrelaçam
no vazio que te espera.
II
Súbito chegaste
quando falsos deuses subornavam
o tempo.
Chegaste para despedir
a insónia e o frio
Chegaste sem aviso
quando a estrada se abria
como um rio
chegaste para resgatar
sem demora o principio.
Grave o silêncio rodeia o teu corpo
hostil o silêncio agarra o teu corpo.
Mas já tomaste horas e caminhos
já venceste matos e abismos
já a espessura do obô
resplandece em tua testa.
E não bastam pombas em demência
no teu rosto
não bastam consciências soluçantes
em teu rasto
não basta o delírio das lágrimas libertas.
Eu cantarei em pranto
teu regresso sem idade
teu retorno do exílio na saudade
cantarei sobre a terra
teu destino de rebelde.
Para te saudar no mar e no palmar
na manhã do canto sem represas
cantarei a praia lisa e o pomar.
Direi teu nome e tu serás.
In "O Útero da Casa"
Editorial Caminho – 2004 – Lisboa
Conceição Lima
(Poetisa de S. Tomé e Príncipe)
N. 1961
NOCTURNO DO MORRO DO ENCANTO
Este fundo de hotel é um fim de mundo!
Aqui é o silêncio que tem voz. O encanto
Que deu nome a este morro põe no fundo
De cada coisa o seu cativo canto.
Ouço o tempo, segundo por segundo,
Urdir a lenta eternidade. Enquanto
Fátima ao pó de estrelas sitibundo
Lança a misericórdia do seu manto.
Teu nome é uma lembrança tão antiga,
Que não tem som nem cor, e eu, miserando,
Não sei mais como o ouvir, nem como o diga.
Falta a morte chegar... Ela me espia
Neste instante talvez, mal suspeitando
Que já morri quando o que eu fui morria.
Petrópolis, 21-3-1953
In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"
Fundação Calouste Gulbenkian
Boletim Cultural – Série VI – n.º 11 – Outubro de 1988
Manuel Bandeira
(Poeta Brasileiro)
1886 – 1968
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