MALMEQUER
Talvez em eu morrendo a teus ouvidos
Chegue a noticia, que hoje os factos vôam,
E oiças então os íntimos gemidos
Que exalo e te não soam.
Talvez então, embora me não ames,
Com esses olhos húmidos de fito
Na minha sombra: «Desgraçado! exclames;
Amava-me, acredito.
«Levou a vida amando-me: que prova
Me podia alguém dar de mais ternura,
Ingrata como eu era! Abri-lhe a cova,
Cavei-lhe a sepultura!
«Hei-de regala de meu pranto. Julgo
Do meu dever... agradecer-lhe agora!
Purificar-me em lagrimas! O vulgo
Que me censure embora.
«Hei-de ir dispor um pé de saudade
Na terra onde ele descansou da lida;
Mostrar-lhe amor, mostrar-lhe piedade,
Que não mostrei em vida!»
Se fôres, meu amor! uma perpetua,
E uma saudade ser-me-ia doce!
Mas só perpetua ou saudade, aceito-a,
E um malmequer que fosse.
In “Flores do Campo”
2ª edição – 1876
Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores
João de Deus
1830 – 1896
AS LAVADEIRAS
As lavadeiras no tanque noturno
Não responderam ao canto da sibila.
“Lavamos os mortos,
Lavamos o tabuleiro das idéias antigas
E os balaústres para repouso do mar...
Nele encontramos restos de galeras,
Quem nos desviará do nosso canto obscuro?
Nele descobrimos o augusto pudor do vento,
O balanço do corpo do pirata com argolas,
Nele promovemos a sede do povo
E excitamos a nossa própria sede...”
As lavadeiras no tanque branco
Lavam o espectro da guerra.
Os braços das lavadeiras
No abismo noturno
Vão e vêm.
In “Poesia Liberdade”
Rio de Janeiro – Agir -1947
Murilo Mendes
(Poeta Brasileiro)
1901 – 1975
O MEU MUNDO
Naquele mundo que é só meu,
Toda a gente tem lugar,
Mas só ficam os que entram
Porque gostam de lá estar.
E o meu coração transborda
De felicidade sem fim,
Quando tenho os que mais quero
Sempre bem junto de mim.
E se ausentes, estão comigo,
Dentro do meu pensamento,
A quem se quer nunca esquece,
Um só único momento.
Mas o Mundo que é de todos,
Cheio de ódio e tanta dor,
Eu queria-o igual ao meu,
Onde reina Paz e Amor.
In “Revista Unearta”
Ano 1 – Nº 1 – Janeiro 2002
Teresa Pinto Aires
DITOSO SEJA AQUELE QUE SOMENTE
Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
pois por elas não perde as esperanças
de poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porque, ainda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.
Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que não pode haver perdão,
em ficar n’alma a mágoa do pecado.
In “Se Tudo Fosse Igual a Ti”
Poesia de Luís de Camões
Editora Alma Azul – Janeiro 2007
Luís Vaz de Camões
1524? – 1580
PERGUNTEI
Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...
O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.
No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira.
Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.
Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.
William Shakespeare
(Poeta Inglês)
1564 – 1616
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
In "Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século"
Editora Objetiva – Rio de Janeiro.
Augusto dos Anjos
(Poeta Brasileiro)
1884 – 1914
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