CIO
Quero dormir com você ou pelo menos
te dar um beijo na boca
o meu amor não tem pudor, nem acanhamento
não tem paciência, não aguenta mais
a urgência do desejo
e eu te olho, te olho, te olho
como se dissesse.
Penso ele há de perceber, me encosto um pouco
espero um gesto, um sinal, uma atitude
que eu possa interpretar como resposta
uma indicação
mas você é um homem sério e continua
se escondendo atrás dessas teorias
e nem te brilha no olho uma faísca de tentação.
Aí que aflição
pensar no que eu faria
se pudesse
desejo que não acontece
fica parado no peito
aí, vira obsessão.
In “O Perigo do Dragão”
Editora Record
Bruna Lombardi
(Escritora Brasileira)
N. 1952
A PÊRA
Como de cera
E por acaso
Fria no vaso
A entardecer
A pêra é um pomo
Em holocausto
À vida, como
Um seio exausto
Entre bananas
Supervenientes
E maçãs lhanas
Rubras, contentes
A pobre pêra:
Quem manda ser a?
In “Operário em Construção e Outros Poemas”
Colecção Poesia Século XX – 5ª Edição (1976)
Publicações D. Quixote
Vinicius de Moraes
1913 – 1980
(Poeta Brasileiro)
A DÉBIL
Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.
Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.
E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.
"Ela aí vem!" disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.
Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, — talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.
Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.
Sorriam, nos seus trens, os titulares;
E ao claro sol, guardava-te, no entanto,
A tua boa mãe, que te ama tanto,
Que não te morrerá sem te casares!
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar sobre o teu peito.
Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.
"Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!"
De repente, paraste embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.
E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.
E foi, então, que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.
Novembro, 1876
In “O Livro de Cesário Verde”
Typographia Elzeveriana – Lisboa – 1887
Cesário Verde
1855 - 1886
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
In “Esconderijos do Tempo”
L&PM Editores
Mário Quintana
1906 – 1994
(Poeta Brasileiro)
A NOITE DESCE...
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!
Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!
A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!
E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!
In “Livro de Soror Saudade” – Sonetos
Colecção Autores Portugueses de Ontem
Livraria Estante Editora – Junho de 1988
Florbela Espanca
1894 – 1930
ENTRE MUNDANAS
- “Filha das tristes ervas, nus os pés
Andrajosa, mas bela de semblante,
Seduziu-me um devasso, um falso amante,
E nada tinha que perder aos dez.”
“Fui actriz, e cantora de cafés,
Mas, mudava, indecisa, a cada instante,
Depois fui o que sou: mundana ovante,
Com trem montado, alto estadão, librés.”
“Mas tu, que eras um anjo, um serafim!
És, pois, de quem te queira! Que piedade!
E porquanto te dás?” – “Por um sequim.”
- “Por um sequim em plena mocidade!
De dia e noite uma tarefa assim!
Tu rebaixas a nossa dignidade!”
In “Ecos do Passado” – 1914
Companhia Portuguesa Editora – Porto
João Penha
1838 – 1919
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