A CASTIDADE COM QUE ABRIA AS COXAS
A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estrita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira
dessa moita orvalhada, nem destino.
In 'O Amor Natural'
Carlos Drummond de Andrade
(Poeta Brasileiro)
1902 – 1987
A TUA VOZ NA PRIMAVERA
Manto de seda azul, o céu reflecte
Quanta alegria na minha alma vai!
Tenho os meus lábios húmidos: tomai
A flor e o mel que a vida nos promete!
Sinfonia de luz meu corpo não repete
O ritmo e a cor dum mesmo beijo... olhai!
Iguala o sol que sempre às ondas cai,
Sem que a visão dos poentes se complete!
Meus pequeninos seios cor-de-rosa,
Se os roça ou prende a tua mão nervosa,
Têm a firmeza elástica dos gamos...
Para os teus beijos, sensual, flori!
E amendoeira em flor, só ofereço os ramos,
Só me exalto e sou linda para ti!
In “A Mensageira das Violetas”
Editora L&PM
Florbela Espanca
1894 – 1930
VELHO MURO
Velho muro da chácara! Parcela
Do que já foste: resto do passado,
Bolorento, musgoso, úmido, orlado
De uma coroa víride e singela.
Forte e novo eu te vi, na idade bela
Em que, falando para o namorado,
Tinhas no ombro de pedra debruçado
O corpo senhoril de uma donzela…
Linda epoméia te bordava a crista;
Eras, ao luar de leite, um linho albente,
Folha de prata, ao sol, ferindo a vista.
Em ti pousava a doce borboleta…
E quantas noites viste, ermo e silente,
Romeu beijando as mãos de Julieta!
In “Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana”
Ed. Manuel Bandeira – Instituto Nacional do Livro
Rio de Janeiro – 1951
Bernardino Lopes
(Poeta Brasileiro)
1859 – 1916
AS MÃES
Ó suaves mulheres, que ides cantando
através das searas e das vinhas,
vinde ouvir uma história, em verso brando,
que hei-de ensinar a ler às andorinhas.
É uma história florida como as rosas!
Quero contá-la aos vossos querubins,
pelo luar, às horas religiosas,
quando os cravos concebem e os jasmins.
Quero falar dum ente extraordinário.
trágico. meigo, místico, suave;
dum leão que morreu sobre um Calvário
e que deixou um testamento de ave.
Vinde escutar-lhe a história em Galileia.
seu suor, sua morte e seu lençol,
e quando electrizava a vil Judeia
com seus olhos brilhantes como o Sol.
Desoladas mulheres, que ides chorando
os maridos que vão para os degredos,
por alta lua, os filhos embalando
com seus olhos brilhantes como o Sol.
vinde buscar a cura a vossos males,
na narração das lágrimas, das dores
do que andava nos rios e nos vales
com os simples, os chãos, os pescadores!
Vinde ouvir como andava largos dias
nos lagos e baías prazenteiras
e electrizava as almas das judias
sob os seus véus, debaixo das palmeiras.
Vinde escutar as lástimas estranhas
das filhas de Sião de longas tranças;
como ele amava os lagos, as montanhas,
as pombas, os doentes, as crianças!
Vinde escutar seus prantos nos abrolhos,
nas montanhas seu verbo às multidões.
e, a expulsar dos demónios as legiões,
a forte luz terrível de seus olhos.
Ó suaves mulheres, que estais cantando
ao pôr do Sol, à porta, às criancinhas,
vinde ouvir uma história, em verso brando.
que hei-de ensinar a ler às andorinhas.
In “História de Jesus”
(Para as Criancinhas Lerem)
Edição: José Carlos Seabra Pereira
Assírio & Alvim
Gomes Leal
1848 – 1921
ASSOMBROS
Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.
In “Lado Esquerdo do Meu Peito”
Editora Rocco
Affonso Romano de Sant'Anna
(Escritor e Poeta Brasileiro)
N.1937
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