MINHA MÃE QUE NÃO TENHO
Minha mãe que não tenho meu lençol
de linho de carinho de distância
água memória viva do retrato
que às vezes mata a sede da infância.
Ai água que não bebo em vez do fel
que a pouco e pouco me atormenta a língua.
Ai fonte que não oiço ai mãe ai mel
da flor do corpo que me traz á míngua.
De que Egipto vieste? De qual Ganges?
De qual pai tão distante me pariste
minha mãe minha dívida de sangue
minha razão de ser violento e triste.
Minha mãe que não tenho minha força
sumo da fúria que fechei por dentro
serás sibila virgem buda corça
ou apenas um mundo em que não entro?
Minha mãe que não tenho inventa-me primeiro:
constrói a casa a lenha e o jardim
e deixa que o teu fumo que o teu cheiro
te façam conceber dentro de mim.
José Carlos Ary dos Santos
1937 – 1984
CANÇÃO DE OUTONO
O Outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
de carícia a contra pelo...
Partir, ó alma, que dizes?
Colhe as horas, em suma...
mas os caminhos do Outono
Vão dar em parte alguma!
In “Canções”
Editora do Globo - 1946
Mário Quintana
1906 – 1994
(Poeta Brasileiro)
ILUSÃO PERDIDA
Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.
Depois dum amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado
na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto,
fiz-te doçura do meu coração,
agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.
In “Cadernos de Temuco”
Tradução de Albano Martins
Pablo Neruda
1904 – 1973
(Poeta Chileno)
TEU CORAÇÃO
Teu coração não é teu,
Teu coração já é meu.
No teu peito pequenino,
Já lá houve um coração
Que não era de ninguém
Porque era só teu…
Passou-te à porta o destino,
Cravou-te no peito a mão,
Arrancou-te o coração,
e disse-me:
É teu!
Sorri-me, e o destino então,
Pousou o teu coração
Na concha da minha mão!...
A mão embala o menino
A ver se pode calá-lo.
Teu coração pequenino,
Pus-me, também, a embalá-lo…
Ele não me estranhou, não,
E adormeceu-me na mão…
E sinto-me tão feliz
Que se o viesses buscar,
Virava-me a chorar!...
In “Saudades de Amor” – 1966
Jacinto de Almeida
TRANÇA LOURA
A linda trança dourada
Que eu vi domingo à noitinha,
Guardava a maciez amada
Das penas de uma andorinha.
Recordava uma esperança
Bordada com fios d’ouro...
Ó doce e mimosa trança,
Meu raio de sol tão louro!
Ventura, sonho, alegria,
Tudo se resume ali...
Para tecer serviria
O ninho de um colibri.
Era já noite, e, no entanto,
A loura madeixa olhando,
Cuidei que, cheio de encanto,
O dia vinha raiando.
Deus fez-la numa redoma
De beijos, de luz, de amor,
E deu-lhe o sagrado aroma
Das madressilvas em flor.
Ah! sobre aqueles risonhos,
Dourados, macios folhos,
Quem dera embalar meus sonhos,
Quem dera cerrar meus olhos!
Auta de Souza
1876 – 1901
(Poetisa Brasileira)
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