SOLIDÃO
Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo...
isto é carência.
Solidão não é o sentimento que experimentamos
pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar...
isto é saudade.
Solidão não é o retiro voluntário que a gente
se impõe as vezes, para realinhar os pensamentos...
isto é equilíbrio.
Tampouco é a pausa involuntária que o destino
nos impõe compulsoriamente, para que revejamos a nossa vida...
isto é um princípio da natureza.
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
isto é circunstância.
Solidão é muito mais que isto...
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos em vão, pela nossa Alma!
In “Palavras para Entorpecer o Coração”
Soler Editora
Fátima Irene Pinto
N. 1953
(Poetisa Brasileira)
SOBRE UM DITADO ANTIGO
Vou dizer de novo o que disseram
para que a mente nunca esqueça
que um dia, folhas, nossos lábios se fizeram
relva, céu veloz, veludo e névoa espessa.
Essa fumaça no vazio é parecida
com a outra que, vida,
dura como dura o raio, quartzo
que uma pupila dilata e irradia.
Quem diria, por exemplo,
que sob a carne do incenso,
no durame da tarde,
o sândalo respira
sem fazer nenhum escândalo.
VISIBILIA
In “Poemas 1994 – 1997”
Sette Letras – RJ
Rodrigo Garcia Lopes
N. 1965
(Jornalista e escritor brasileiro)
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ABDICAÇÃO
A paz que tenho, dela abdico:
não satisfaz a minha ânsia.
– Só a distância
me faz rico.
Que importam velas, catedrais
para o meu sonho de partir?
– Sou longe e mais
só com sorrir.
Lírios, amores, cavalos-de-pasta,
também os teve a minha infância.
– Só a distância
hoje me basta.
In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"
Fundação Calouste Gulbenkian
Boletim Cultural – Série VI – n.º 11 – Outubro.1988
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Daniel Filipe
1925 – 1964
(Poeta Cabo-Verdiano)
AMAR É…
Amar é estar em paz, acreditar...
É ser gato e mulher e planta em flor!
Mais do que ter amor é Ser amor
E nesse amor fluir, frutificar...
É ter dentro de nós a Terra, o mar,
É pintar um poema em cada cor,
É poder consolar quem sinta dor,
Semear um sorriso em quem chorar...
É saber aceitar a vida, a morte
Sem o medo ou a sombra da revolta...
Equilibrando os pratos do destino
É vislumbrar, lá longe, a nossa sorte...
Agarrar o fiozinho, a ponta solta
Daquilo que há em nós e que é divino!
In “Poeta Porque Deus Quer”
1ª edição – Janeiro.2009
Autores Editora
Maria João Brito de Sousa
N. 1952
FADO
DO GRANDE E HORRÍVEL CRIME
Por essas feiras do alfoz
Do Porto, leal cidade,
Brutal e triste, uma voz
Levanta um pregão feroz
De crime e fatalidade.
Junta-se o povo de roda,
Crianças, velhos e moços
Que seduz a nova moda;
E os olhos da roda toda
São como bocas de poços…
E a nova moda é já velha,
Recente, embora, a toada;
Revelha, velha, revelha,
Que a todas mais se assemelha,
De novo, não conta nada…
Vem dos inícios do mundo,
(Por não sei que ódio divino)
De quando, a errar vagabundo,
Caim desceu bem ao fundo
Do seu maldito destino.
Só a maneira é que é vária
Dum mesmo fado cumprir
A sinistra prole do pária;
E a assistência é extraordinária,
Que o bom povo quer ouvir!
Desfolha um bandolim gasto
Seu choro falso e palreiro
Frente a uma casa de pasto;
E um alto grito nefasto
Berra por todo o terreiro.
Canta uma mulher pejada,
Senhora-do-Ó fadista,
Ou uma garota enfezada
Que tem olhos de enjeitada
Mas pretende ser corista…
Canta um velhote que tosse,
Babando as barbas de neve,
Ou um rapazinho precoce,
Com esse ar dos a quem roce
A asa da morte breve…
Canta um esbelto vadio
De torvo olhar cor de lodo,
Que esguicha um mau riso frio
À triste a quem mata o cio
E apanha o dinheiro todo…
Canta uma cega, rolando
Por todo o alvar poviléu
Seus olhos vítreos olhando…
Canta um fado miserando,
Não mais, porém, do que o seu!
Canta uma família inteira,
― Pai, mãe, avó, quatro filhos —
E ao calar-se a cantadeira,
É a pobre velha gaiteira
Que intercala os estribilhos…
Um seráfico gandula
Que inda em falsete se exprime
E entre o público circula,
Pregoa uma canção chula
Mai l-o grande e hòrrível crime!
Surdo, o violão dlão toa,
E o bandolim se lhe enlaça…
Ou, carpindo a sós, ressoa
Uma guitarra, a mais boa
Companheira da desgraça.
E enquanto, em plena quermesse
De movimento, cor, sol,
A própria luz arrefece,
A voz de lástima e prece
Desfia o macabro rol:
Cose um marido a facadas
A mulher que estremecia,
E as mãos inda ensanguentadas,
Vai, de entre seus camaradas,
Esganar quem no traía!
Jovem mãe abandonada
Com seu filhinho nos braços,
Uma triste e malfadada
Deixa-o numa água-furtada
Retalhadinho em pedaços!
No mais vil prédio dum beco
Dos que a decência condena,
Sem que de tal corra um eco,
Num charco de sangue seco
Seis dias jaz Madalena!
Um filho desnaturado
Talha a golpes de podoa
O ventre em que foi gerado…
E o corpo em sangue escoado
Levanta a mão que abençoa!
E, por bordéis e hospitais,
Por mesas de anatomia,
Por salas de tribunais,
Por colunas de jornais,
Se estira o rol dia a dia…
Nos intervalos do fado,
Fala em prosa a cantadeira:
Maldiz o bruto malvado
Num discurso alto clamado
Com vozes de carpideira.
E, num tom quase faceto,
O loiro e reles menino
Mostra ao povinho um folheto
Que traz, moldurada a preto,
Uma foto do assassino…
Que verde curiosidade,
Que gosto de sangue e morte,
Que dó, que ferocidade,
Preme ali tal sociedade
Nesse culto à negra sorte?
Sentimental, caricato
De rapapés ao terror,
À história do do retrato
Segue-se o extenso relato
De outro crime inda melhor.
E enquanto um diz que são tretas,
E os demais olham inquietos,
E outro, que tem quaisquer letras,
Decifra essas cifras pretas
A um grupo de analfabetos,
Sob o imenso azul perfeito
Como abóbada de igreja,
As mães de filhos de peito
Tremem, sem achar direito
De acusar quem quer que seja…
In “Fado”
José Régio
1901 – 1969
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