VENHO, DOURO FELIZ
Venho, Douro feliz, sentar-me agora
Á sombra dos teus alamos copados,
Por dar um desafogo aos meus cuidados,
Á saudade cruel que me devora.
Tu pois, que chegas onde Annalia mora,
Prazeres desfructando a mim vedados,
Dize-lhe que em desterro n’estes prados
Sem nunca alivio ter Notanio chora!
Dize-lhe que por ella afflicto chamo;
Em testemunho da saudade minha
Leva-lhe algum do pranto que derramo.
E se ao triste presente fôr mesquinha,
Da sua habitação furta-lhe um ramo,
Ou traze-me se quer uma folhinha.
Soneto XLIII
In “Collecção de Poesias Reimpressas e Ineditas”
Tomo II – e ultimo. 1861
Typ. de Manoel José Pereira – Porto
Antonio Joaquim de Mesquita e Mello
Nota – Grafia Original
LOVE-FICTION
O poeta é um fingidor
Fernando Pessoa
Quando chegar à Lua, hei-de encontrar,
na fria alcova de árida cratera,
a verde selenita que me espera,
gota final de algum extinto mar.
Terei então cem anos? Um milhar?
Ou mais talvez, além da nossa era...
E ela será botão de primavera
que sem pólen não chega a despertar.
Eu darei saltos de acrobata, ao vê-las,
às algas dos seus dedos, a alongar-se
em railes a caminho das estrelas...
Desceremos os dois, porém, uma curva,
onde o mistério se abre, sem disfarce,
para a face da Lua funda e turva.
In “Moço, Bengala e Cão”
Edição do Autor
Adolfo Simões Müller
1909 – 1989
O AMOR ANTIGO
O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede. Nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.
O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.
Se em toda parte o tempo desmorona
aquilo que foi grande e deslumbrante,
a antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
In “Obra Poética” Vol. V
Carlos Drummond de Andrade
(Poeta Brasileiro)
1902 – 1987
ILUSÃO
Envolta numa ilusão,
Vi passar na minha rua
Uma rosa perfumada.
Fui atrás dessa ilusão
Pela noite, à luz da lua
Perdi-a de madrugada.
Corri por montes e vales,
Sempre atrás dessa ilusão
De encontrar meu grande amor.
Ouvia o arrolhar das aves,
Mas este meu coração
Sangrava morto de dor.
E já cansado de andar,
Vi romper a madrugada
Até então adormecida.
Senti meu coração gritar,
Pois a rosa perfumada
Já tinha sido colhida.
Parei então fatigado,
P’ra beijá-la com amor
De todo o meu coração.
Mas quando quis afagá-la
Acordei, pois essa flor,
Era apenas ilusão.
In “Revista Mensal Unearta”
N.º 13 - Ano 2 - Janeiro.2003
Manuel Amendoeira
N. 1940
A ANGÚSTIA
Nada em ti me comove, Natureza, nem
Faustos das madrugadas, nem campos fecundos,
Nem pastorais do Sul, com o seu eco tão rubro,
A solene dolência dos poentes, além.
Eu rio-me da Arte, do Homem, das canções,
Da poesia, dos templos e das espirais
Lançadas para o céu vazio plas catedrais.
Vejo com os mesmos olhos os maus e os bons.
Não creio em Deus, abjuro e renego qualquer
Pensamento, e nem posso ouvir sequer falar
Dessa velha ironia a que chamam Amor.
Já farta de existir, com medo de morrer,
Como um brigue perdido entre as ondas do mar,
A minha alma persegue um naufrágio maior.
In "Melancolia"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Paul Verlaine
(Poeta Francês)
1844 – 1896
VOO QUEBRADO
Subir!
Ter asa e voar
Por aí fora,
Numa largada sem fim...
Acima das casas,
Acima dos montes,
Para além das nuvens,
Para além da vida...
Mais alto,
Sempre mais alto!
Passar acima das aves...
Depois,
Querer mais, mais alto...
Sempre mais alto...
A gente não se cansa.
Cansa querer subir
Mais alto e não poder.
Alberto de Serpa
1906 – 1992
ORAÇÃO DE JOELHOS
Bendita seja a mãe que te gerou!
Bendito o leite que te fez crescer!
Bendito o berço aonde te embalou
A tua ama pra te adormecer!
Bendito seja o brilho do luar
Da noite em que nasceste tão suave,
Que deu essa candura ao teu olhar
E à tua voz esse gorjeio d'ave!
Benditos sejam todos que te amarem!
Os que em volta de ti ajoelharem
Numa grande paixão, fervente, louca!
E se mais, que eu, um dia te quiser
Alguém, bendita seja essa mulher!
Bendito seja o beijo dessa boca!
In “O Livro D’ele – Poesia Completa”
Publicações Dom Quixote
Florbela Espanca
1894 – 1930
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
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