E LEVANTAM-SE AS PESSOAS
E levantam-se as pessoas
Como quem se adormecesse.
Preparam-se para o sono
De uma vigília nas ruas
Nas casas e nos empregos.
E naufragam e sufocam
Nas avenidas do Tempo.
Conversam como quem fecha
Creches gaiolas enterros
– Crianças aves e mortos.
Nos sorrisos e nos risos
Na lucidez dos reflexos
Pensam os tristes dos homens
Ganhar os dias correndo.
Mas são retidos nas sombras.
São amarrados ao vento.
São sacudidos em potros
E forcas de entendimento.
Eles que são cabeleiras,
Nas chuvas de outros intentos
Nos rios e nas goteiras.
E levantam-se as pessoas
Como quem fosse viver.
Dá o Sol por sobre o Dia
Faz o dia apodrecer.
(Maduro quer dizer Morte
Com toda a sabedoria)
Deitam-se então as pessoas
Para a morte de outro dia.
(Os Intrusos – 1971)
In "Antologia Poética"
Assírio & Alvim
Natércia Freire
1919 – 2004
SONHAR FAZ PARTE DA VIDA
Sonhar faz parte da vida
E nos enche de magia…
Numa falaz existência
Será vã nossa vivência
Se, no nosso dia-a-dia,
Não tivermos como guia
Um sonho que nos seduz…
E seguir a sua luz
Com o nosso empenhamento,
Abrir novos horizontes…
Atravessar novas pontes…
E dar vida ao pensamento!
O sonho que um dia temos
Nesse tempo que vivemos
E que tanto nos cativa…
Dentro de nós, deve ter,
Um lugar para viver…
Uma chama sempre viva!
Num mundo de fantasia,
Não sabemos, dia-a-dia,
O nosso sonho agarrar…
Gastamos nossa existência,
Sem empenho e persistência
Para o poder conquistar!
Mas se houver dentro de nós
Vontade de o envolver…
Não vamos viver tão sós;
Vamos dar-lhe a nossa voz
E o nosso sonho de viver!
In “Jornal Mensal PALAVRA”
Reguengos de Monsaraz
13/04/2008 – Ano XLI – N.º 491
Gabriel Raminhos
QUANDO ESTOU SÓ RECONHEÇO
Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.
E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.
Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.
9-8-1931
In “Novas Poesias Inéditas – Fernando Pessoa”
(Direcção, recolha e notas de
Maria do Rosário Marques Sabino
e Adelaide Maria Monteiro Sereno) – 4ª ed. 1993
Ática
Fernando Pessoa
1888 – 1935
SONS DAS PALAVRAS
Poesia é tudo não sendo nada,
é obra inacabada.
É o sentir de toda a gente,
é o escrever de quem não mente.
É a escrita alterada, a vida reinventada, o sentir da madrugada.
Poesia é tudo não sendo nada.
Poesia é o choro da criança, é a lembrança,
é a herança, é a música traduzida numa dança,
é a esperança.
É a garganta que mesmo rouca canta,
é o encantamento que encanta.
Poesia é obra inacabada,
Poesia é tudo não sendo nada.
Poesia é a luz do luar,
É a penumbra para iluminar, é a aurora de um novo dia a raiar.
É o sol e a luz solar, são os trovões e o trovejar,
é a chuva e o molhar, é a água de um rio a passar, é o correr
desse rio até ao mar.
Poesia é obra inacabada,
Poesia é tudo não sendo nada.
Poesia é o acordar, o almoçar, o lanchar, o deitar, o procriar, é o sonhar.
Poesia é obra inacabada,
Poesia é tudo não sendo nada.
Poesia és tu, somos nós, quando podemos e estamos sós
no meio de muita gente, que não sente, que mente,
que não se assume de frente.
Poesia é obra inacabada,
Poesia é tudo não sendo nada.
In “Sons das Palavras”
Leandro Carvalho dos Santos
N.1957
ESTIO
Horizonte
todo de roda
caiada de sol.
Ao meio
do cerro gretado
esguia cabeça de cobra
olha assobios de lume
sobre espigas amarelas…
(…Campaniços degredados
na vastidão das searas
sonham bilhas de água fria!...)
In “Poemas Completos”
Portugália Editora
Manuel da Fonseca
1911 – 1993
A CRIANÇA
A criança,
Toda a criança
Seja de que raça for,
Seja negra, branca, vermelha, amarela,
Seja rapariga ou rapaz.
Fale que língua falar,
Acredite no que acreditar,
Pense o que pensar,
Tenha nascido onde fora,
Ela tem direito...
Amor,
Alimentação,
Casa,
Cuidados médicos,
O amor sereno de mãe e pai,
Ela vai poder
Rir,
Brincar,
Crescer,
Aprender a ser feliz...
In "O Palhaço Verde"
Livros Horizonte
Matilde Rosa de Araújo
N. 1921
BOCAS ROXAS DE VINHO
Bocas roxas de vinho,
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa;
Tal seja, Lídia, o quadro
Em que fiquemos, mudos,
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.
Antes isto que a vida
Como os homens a vivem,
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.
Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.
In “Odes de Ricardo Reis – Fernando Pessoa – Antologia Poética”
3ª. Edição – Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1935
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...