A NOITE E O DIA
Pedi à noite
Que me desse o dia,
E a noite
Emudeceu.
Porquê esta nostalgia?
Porquê
Pergunto eu.
E eu voltei a suplicar
À noite que me desse
O dia
E a noite, por fim, respondeu:
"Não sabes
Que é o Sol do Amor
Que faz o dia?!
Sem o sorriso da Alegria,
O dia é noite.
A noite sou eu...".
In “Fátima Missionária”
Irmã Maria Rita Valente Perfeito
N. 1920
IMAGENS QUE PASSAIS PELA RETINA
Imagens que passais pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
– Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
– O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
– Estranha sombra em movimentos vãos.
Clepsidra
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
1867 – 1926
AMOR VIVO
Amar! mas de um amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delírios e desejos
D’uma doída cabeça escandecida...
Amor que viva e brilhe! luz fundida
Que penetre o meu ser – e não só beijos
Dados no ar – delírios e desejos –
Mas amor... dos amores que têm vida...
Sim, vivo e quente! e já a luz do dia
Não virá dissipá-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia...
Nem murchará do sol à chama erguida...
Pois que podem os astros dos espaços
Contra uns débeis amores... se têm vida?
In “Sonetos Completos”
Publicações Anagrama
Antero Quental
1842 – 1891
A COR QUE SE TEM
Quando for crescida
hei-de inventar
um perfume de encantar.
Quem o cheirar
há-de ficar
com cor de pele
que mais gostar.
Branco ou amarelo
se preferir
preto ou vermelho
é só decidir.
Para alegrar
até estou a pensar
outras cores acrescentar.
Cor de rosa
verde ou lilás
são cores bonitas
e tanto faz.
E assim
há-de chegar
o dia de acreditar
que o valor
de alguém
não se pode avaliar
pela cor que tem
e então
tudo estará bem.
In “A Cor Que Se Tem”
Plátano Editora
Maria Cândida Mendonça
BALADA DA SOCIEDADE DE CONSUMO
Eles cantavam nas margens dos grandes rios.
Havia a sociedade de consumo.
Mas eles perguntavam e o homem? É só o que consomem
é só o homem e o seu sumo?
Onde está o homem? O homem? O homem?
E cantavam nas margens dos grandes rios.
Havia automóveis, frigoríficos, televisão
havia sociedades por acções.
Mas eles perguntavam: e o amor? É só solidão?
É só esta mobília a prestações?
E cantavam nas margens dos grandes rios.
Havia o verbo ser e o verbo ter
havia o não haver e o haver demais.
Mas eles perguntavam: e viver?
É só este não ser para ter mais?
E cantavam nas margens dos grandes rios.
Manuel Alegre
N. 1936
EU COMO, EU BEBO, EU DURMO E A VIDA PASSO
Eu como, eu bebo, eu durmo e a vida passo
Ora bem, ora mal, como sucede:
Tomo tabaco, e chá; e se mo pede
O génio alguma vez, eu Nize abraço:
As vezes jogo, as vezes versos faço,
Que mais que a arte a natureza mede:
E talvez por saber como procede
Em se mover o Sol círculos traço.
Alguma vez me agrada a soledade,
Outras vezes a nobre companhia;
E desta sorte vou passando a idade:
E espero assim que venha a morte fria
Com o manto da eterna escuridade
Encobrir-me de todo a luz do dia.
In “Poesias de Paulino Cabral de Vasconcelos II”
Of. de António Alvarez Ribeiro
Paulino António Cabral
(Abade de Jazente)
1719 – 1789
A VELHA SALA
A velha sala sonolenta
cheira a bordado, a missanga,
a flores mortas, a tristeza, a pó.
Cheira a silêncio inútil
e amareladas pontas de cigarros
só fumados até meio.
A traça roi, nas estantes,
livros que já ninguém lê,
livros que ninguém leu até ao fim.
Do piano, se o tocassem,
a música sairia com bolor!
Da velha sala sonolenta
vem qualquer coisa que dá pena
e vontade de fugir!
Oh, a minha alma cheia de saudades!
In "Ilha Deserta"
Editorial Inquérito – 1954
António de Sousa
1898 – 1981
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