SINTO VERGONHA DE MIM
Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
actos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto"
Rui Barbosa
(Senador brasileiro em 1892 – Faleceu em 1923)
(Gentilmente remetido pela amiga Analice da Silva)
PRIMAVERA À BEIRA-MAR
Cresci à beira-mar, tendo por tema
De vida, o tom verde-água, a maresia...
Quando a cigarra cantava, eu sabia:
O verão nascia e já entrava em cena!
Dando asas a minha pequena mente,
Deixava fluir a imaginação,
Buscando conhecer cada estação
Do ano e, assim, me vi adolescente.
A minha volta, não havia cor
Outra, mais alegre, não tanto fria,
Que transmitisse alegria, calor!...
Desperta, enfim, por pura epifania,
Em mim, uma forte paixão impera:
Vejo a cor das Flores da Primavera!...
Carvalho Branco
Pseudónimo de Marilza de Castro
(Poetisa Brasileira)
O MESMO
Desde a quadra mais antiga
De que rezam pergaminhos,
Cantam a mesma cantiga
Na floresta os passarinhos.
Têm o mesmo aroma as flores,
Mesma verdura as campinas,
A brisa os mesmos rumores,
Mesma leveza as neblinas.
Tem o sol as mesmas luzes,
Tem o mar as mesmas vagas,
O deserto as mesmas urzes,
A mesma dureza as fragas.
Os mesmos tolos o mundo,
A mulher o mesmo riso,
O sepulcro o mesmo fundo,
Os homens o mesmo siso.
E neste insípido giro,
Neste voo sempre a esmo,
Vale a pena, em seu retiro,
Cantar o poeta, mesmo?
Fagundes Varela
(Poeta Brasileiro)
DISCURSO NO PARLAMENTO
Um dia, encho-me de coragem
E vou mesmo discursar no parlamento
Confesso que fiz juramento
De ir a pé até lá
De entrar naquela sala,
Para discursar a minha mensagem
Um dia, apareço nas câmaras da televisão
Verdade mesmo, não é ilusão
Apareço com o meu rosto maltratado
Com o meu rosto de drogado
Para pedir um ponto de ordem
Aos senhores deputados,
Eu mesmo que vivo do outro lado da margem
Já sei que vão olhar com indignação
Para os meus pés descalços
Para os meus calções rotos
E para os meus magritos braços
Já consigo imaginar os vossos rostos
De indignação e estupefacção
Mas mesmo assim eu vou mesmo discursar
Em plena assembleia nacional
Assim mesmo, com este meu visual
De menino de rua votado ao abandono
De menino de rua cão sem dono
Eu vou à assembleia nacional falar
Assim mesmo, sem convite
E sem ser chamado
Eu, que não sei falar português de escola
Vou entrar naquela sala
Para falar com os senhores deputados
Eu vou lá sem convite, acredite!
E antes de me porem andar à paulada
Antes de me mandarem calar à porrada
Vou rasgar o meu peito
Para vocês escutarem o grito
De tanto sofrimento vivido
De tanto sofrimento bebido
E enquanto estiver a ser arrastado
Para fora da assembleia nacional
Eu, menino de rua cão sem dono e drogado
Eu, menino de rua marginal
Ainda terei coragem
Ainda serei capaz
De trovejar a minha mensagem:
POR FAVOR, PÃO, TECTO E PAZ!
Não levem a mal
Mas eu vou mesmo discursar em plena assembleia nacional!
In "A Fúria do Mar"
Décio Bettencourt Mateus
(Poeta Angolano)
SOMBRA
Vi-te uma vez, bem me lembro,
Quando passava na estrada.
Tinhas os olhos enormes,
E uns jeitos de namorada.
Que linda! Nem reparaste
Em mim, na melancolia
Que te punha o rosto pálido…
Era quase ao fim do dia.
Tinhas na tua janela,
Em flor, dois grandes craveiros.
Já a lua branca nascia
Como um ai, entre salgueiros.
Tornei a olhar-te de longe:
Tinhas os olhos pregados
Nalgum sonho imenso e vago,
Como os céus já mal doirados…
Nunca mais tornei a ver-te,
(Para que foi que te vi?!)
Mais tarde ouvi que morreras,
Ninguém mais falou em ti.
Ninguém mais! Foste levada
Nos grandes sonhos dispersos…
Só os craveiros secaram,
E eu escrevi estes versos!
Porto.
In “Revista A Águia”
N.º 1 – 1ª Série de 1/12/1910 – Ano I
Júlio Brandão
GRITO NEGRO
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder, sim
e queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão
tenho de andar na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu serei o teu carvão, patrão!
In “Antologia Temática de Poesia Africana, I”
Editora Sá da Costa
José Craveirinha
(Poeta Moçambicano)
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