MAHLER
(A Canção de Deus e Morte)
No jardim das almas
A fala caída.
Como se fosse a canção de
Deus e Morte.
A canção do cadáver
Sombrosa e rente.
Uivo. Brechas.
Ululante.
Compassadamente
O coração solto
Rasgado contra o céu maciço.
E de abismo ou de crateras
Um ardil. Incessante
Profundidade e permanência interminável
Na terra ímpia.
O relâmpago rasteja Deus.
Abre-se a solidão
Nos ombros do Inferno.
Quem vislumbra pérfido
No alçapão da sombra?
E o ricochete da luz?
Que castigo inexpiável?
Haverá uma música da fatalidade?
E quem lhe deve obedecer?
Sou miserável e perturbante.
Dou-me à paisagem destituída.
À árvore devastadora. À borboleta esmagada.
(O restolho enovelando.
Um bestiário precipitando-se.
Sacudindo-me.
Que aurora imprevista
Impulsivamente no mundo?)
Cantava a impaciência
Melancólica.
A dor radiante.
A vastidão.
In “A Palidez do Pensamento”
José Emílio-Nelson
NO MAR
Ontem estava azul… Ontem olhava para o céu
Com uma doçura muito vaga de pupila infante.
Na sua ampla lua regia altivo, sem ânsias, e
O sol contemplou muito a sua cabeça de avô,
De eterno avô louro de formidável cabeleira.
Ontem estava azul… A suave esfumação
Dos seus líquidos anelados filigranou em marfim
A bruma de um laço de brumosa evanescência
Beijava fragilmente a branca iridiscência
A seda resplandecente do manto de safira.
Ontem, ao pôr-se o sol, a serenidade mística
Dos olhos extasiados das almas liláses
Reflectiu-se magnanimamente. A Entranha cabalística
Dormia nos seus mistérios. O seu olhar de áspide
Estendeu a lua tardia pelo vidro sem fim:
Vi o estranho aspecto de um grande beijo bendito
Sublimando as águas… Um beijo de zénite.
E o mar mudo, solene como se cumprisse um rito
Devolvia-a trémulo no seu espelho infinito
Mais vago, como um eco, balbuciante, senil…
Hoje é cinzento… Um enorme segredo nas suas entranhas
Subleva a sua potência. As líquidas montanhas
Juntam-se, agigantam-se… E: oh magia do cinzento!
Hoje revolve as fezes do seu mistério gelado
Reflecte turvamente um sol encoberto
É chumbo é gelo é morte… E amo-o mais assim.
(Poema dos cadernos II e III)
In “O Mar na Poesia da América Latina”
Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos
Tradução José Agostinho Batista
Assírio & Alvim
Delmira Agustini
1886 – 1914
(Poetisa uruguaia)
RELÂMPAGO
Parir um poema,
máscara nas ventas,
anestesia nas veias,
arfando...
Parir um poema
como pari meus filhos...
Alucinação dos sentidos...
Criar sem saber
estar criando.
Parir sem saber
que estou parindo.
In “Lugar Solitário”
Escritor Editora
Joseia de Matos Mira
PRELÚDIO
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela …
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…
Mãe-Negra não sabe nada…
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…
É que os meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram p’ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…
Lisboa – 1951
In “Poemas –
Alda Lara
(Poetisa Angolana)
1930-1962
OS MENINOS DE HUAMBO
Com fios feitos de lágrimas passadas
Os meninos de Huambo fazem alegria
Constroem sonhos com os mais velhos de mãos dadas
E no céu descobrem estrelas de magia
Com os lábios de dizer nova poesia
Soletram as estrelas como letras
E vão juntando no céu como pedrinhas
Estrelas letras para fazer novas palavras
Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade
Com os sorrisos mais lindos do planalto
Fazem continhas engraçadas de somar
Somam beijos com flores e com suor
E subtraem manhã cedo por luar
Dividem a chuva miudinha pelo milho
Multiplicam o vento pelo mar
Soltam ao céu as estrelas já escritas
Constelações que brilham sempre sem parar
Os meninos à volta da fogueira
Vão aprender coisas de sonho e de verdade
Vão aprender como se ganha uma bandeira
Vão saber o que custou a liberdade
Palavras sempre novas, sempre novas
Palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo
Assim contentes à voltinha da fogueira
Juntam palavras deste tempo sempre novo
Porque os meninos inventaram coisas novas
E até já dizem que as estrelas são do povo
Manuel Rui Alves Monteiro
(Poeta Angolano)
N. 1941 – Huambo – Angola
O ÚLTIMO ADEUS DUM COMBATENTE
Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.
Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só o teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade.
Sim! foi por isso que eu parti e tu ficaste!
Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.
Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!
In “Primeiro Livro de Poemas”
Selecção de Sophia de M. B. Andresen
Editorial Caminho
Vasco Cabral
(Poeta Guineense)
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