ESPERANÇA E TRISTEZA
Minha tristeza é pior que a tua dor;
Um dia, no teu ventre sentirás
Reencarnar para o mundo o teu amor:
A mesma alma, o mesmo olhar… verás!
Eu sei que há-de voltar; e assim terás
A alegria primeira, ainda maior…
E então, de novo, alegre ficarás;
Será primeiro o teu segundo amor!
Mas eu que, antes do tempo, já declino,
Quem sabe se verei o teu Menino,
Numa idade em que possa compreender?
E partirei, depois, sem lhe deixar,
Na memória, esse terno e fundo olhar,
A comovida imagem do meu ser…
In “Belo/À Minha Alma/Sempre/Terra Proibida”
Assírio & Alvim
Teixeira de Pascoaes
PALAVRAS NO MAR
Se eu fosse amado!...
Se um rosto virgem
Doce vertigem
Me desse n'alma
Turvando a calma
Que me enlanguece!...
Oh! se eu pudesse
Hoje – sequer –
Fartar desejos
Nos longos beijos
Duma mulher!...
Se o peito morto
Doce conforto
Sentisse agora
Na sua dor;
Talvez nest'hora
Viver quisera
Na primavera
De casto amor!
Então minh'alma,
Turvada a calma,
– Harpa vibrada
Por mão de fada –
Como a calhandra
Saúda o dia,
Em meigos cantos
Se exalaria
Na melodia
Dos sonhos meus;
E louca e terna
Nessa vertigem
Amara a virgem
Cantando a Deus!
Avon – 1857
In “As Primaveras”
Casimiro de Abreu
(Poeta Brasileiro)
DOCES ÁGUAS E CLARAS DO MONDEGO
Doces águas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo após si me trouxe cego;
de vós me aparto; mas, porém, não nego
que ainda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.
Bem pudera Fortuna este instrumento
d'alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;
mas alma, que de cá vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vós, águas, voa, e em vós se banha.
In “SE TUDO FOSSE IGUAL A TI”
Poesia de Luís de Camões
Editora Alma Azul – Janeiro 2007
Luís Vaz de Camões
REMÉDIOS POPULARES
Desde os tempos mui remotos,
ao ver plantas e pomares,
muita gente recorria
aos remédios populares.
Então, inda “se ia à bruxa”,
mas não era no Sobral;
era em suas vizinhanças,
para alívio de algum mal…
Um remédio “muito bom”,
no dizer de uma senhora,
era um “chá” que se fazia
de “palhas de manjedoura”…
Também um famoso emplastro,
cuja massa derretia
dava efeito – assim diziam –
contra… “a travinca partida”!
Bom leitor, que vos parece?
Casos de crendice pura?
- A tudo o homem recorre
Quando o mal já é sem cura.
In “Interfarma” – Maio de 1991 – Ano VIII Nº 93
Carlos Morais
O MAR
Antes que o sonho (ou o terror) tecesse
Mitologias e cosmogonias,
Antes que o tempo se cunhasse em dias,
O mar, o sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é aquele violento
E antigo ser que rói os pilares
Da terra e é um e muitos mares
E abismo e esplendor e acaso e vento?
Quem para ele olhar vê-o pela primeira vez,
Sempre. Com o assombro que as coisas
Elementares deixam, as belas
Tardes, a lua, o fogo de uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Sabê-lo-ei no dia
Que se segue a agonia.
(El outro, el mismo)
In “O Mar na Poesia da América Latina”
Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos
Tradução José Agostinho Batista
Assírio & Alvim
Jorge Luís Borges
(Poeta argentino)
SANGUE NEGRO
Ó minha África misteriosa, natural!
Minha virgem violentada!
Minha Mãe!...
Como eu andava há tanto desterrada
de ti, alheada distante e egocêntrica
por estas ruas da cidade engravidadas de estrangeiros
Minha Mãe! Perdoa!
Como se eu pudesse viver assim,
desta maneira, eternamente,
ignorando a carícia, fraternalmente morna
do teu olhar… Meu princípio e meu fim…
Como se não existisse para além dos cinemas e cafés
a ansiedade dos teus horizontes estranhos,
por desvendar…
Como se nos teus matos cacimbados,
não cantassem em surdina a sua liberdade, as aves mais belas,
cujos nomes são mistérios ainda fechados!
Como se teus filhos
- régias estátuas sem par –
altivos, em bronze talhados,
endurecidos no lume infernal
do teu sol
causticante
tropical –
Como se teus filhos
intemeratos, sofrendo,
lutando,
à terra amarrados
como escravos trabalhando, amando,
cantando,
meus irmãos não fossem!
- Ó minha mãe África –
Magna pagã, escrava sensual
mística, sortílega,
à tua filha tresvairada,
Abre-te e perdoa!
Que a força da tua seiva vence tudo
e nada mais foi preciso que o feitiço impor
dos teus tantãs de guerra chamando,
dum-dum-dum-tam-tam-tam
dum-dum-dum-tam-tam-tam
para que eu vibrasse
para que eu gritasse
para que eu sentisse!
– fundo no sangue a tua voz – Mãe!
E vencida reconhecesse os nossos erros
e regressasse à minha origem milenar…
Mãe! Minha mãe África,
das canções escravas ao luar,
Não posso, NÃO POSSO, renegar
o Sangue negro, o sangue bárbaro
que me legaste…
Porque em mim, em minha alma, em meus
nervos, ele é mais forte que tudo!
Eu vivo, eu sofro, eu rio,
através dele.
Mãe!...
In “Antologia Temática de Poesia Africana, I”
Editora Sá da Costa
Noémia de Sousa
(Poetisa Moçambicana)
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