JÁ SE AFASTOU DE NÓS O INVERNO
Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.
Varrendo os ares, o subtil Nordeste
Os torna azuis: as aves de mil côres
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E toma o fresco Tejo a côr celeste:
Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Dêstes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.
Deixa louvar da Côrte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!
In “Bocage – Sonetos” – Clássicos Portugueses
Trechos Escolhidos – Século XVIII – Poesia
Livraria Clássica Editora – Lisboa – 1943
Manuel Maria de Barbosa du Bocage
SE…
Não chores nunca, não, quando eu morrer,
Só por nosso Amor ter sido imenso!
E na verdade, sendo assim, eu penso
Nada nos deverá fazer sofrer.
Bem sei que é doloroso de perder
A quem o coração nos traz suspenso…
E foi em nosso lar carinho intenso,
A razão e a alegria de viver!
Mas o mundo não pára! E Deus ordena
Em todo o mal resignação serena,
Nos conformemos, sempre, com a sorte.
P’ra que ficarmos de olhos orvalhados…
Por lágrimas e luto separados,
Se a vida não acaba com a morte?!...
In “A Ternura Que Me Deste” – Poesias – 1945
Livraria Figueirinhas – Porto
Elísio de Vasconcelos
1907 -1965
O AMOR
Meu amor, eu tenho amor
A quem amor tem por mim
A quem ama com amor
A quem amor tem por ti.
Com amor e pouco mais
O amor nos alimenta
É como o pão dos trigais
No prato da nossa ementa.
O amor é meio sustento
Para quem tem pouco pão
É o melhor alimento
Que recebe o coração.
Com amor pode viver
Sem amor não viverá
Tendo amor tem que comer
Que é o amor que lho dá.
O amor é tudo na vida
Quando é amor perfeito
Não é planta florida
É pela vida o respeito.
Ter amor é ter na vida
Do melhor que pode ter
É a relíquia querida
Que deixa quando morrer.
In “Realismo Popular”
Poemas – 2ª Publicação
Porto da Lage – Tomar
Manuel António Cordeiro
Saíra Santo António do convento,
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.
Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…
O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…
Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,
Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas…
E abalaram pró convento.
In “Luar de Janeiro”
Colecção – Autores Portugueses de Ontem – 1989
Estante Editora
Augusto Gil
PRECE
De mãos erguidas clamo a minha prece
E, peço-Vos, meu Deus, pelos doentes;
Pelos que sofrem mais, como descrentes,
E pela Humanidade que padece…
Mesmo por todo o ser que não merece
A graça de viver por entre as gentes,
E os que na vida sempre descontentes
São como a ingratidão que tudo esquece…
E peço-Vos, meu Deus, até por mim:
– Que eu tenha sempre um grande coração
E veja na Humanidade o meu destino;
Que o amor me acompanhe até ao fim,
A Pátria seja a minha devoção
E creia em Vós, Senhor, meu Pai Divino!
Lisboa – Maio de 1958
In “Pedaços da Minha Alma” – Lisboa – 1971
Edição do Autor
Oliveira Estêvão
MENDIGO
Mendigo que mendigas compaixão
Ah! Que ignóbil sina Deus te deu
Teres que mendigar o que é teu
Estendendo a mão ao teu irmão
Anda mendigo amigo dá-nos a mão
Como tu somos alguém que já morreu
Mendigando o que sempre nos pertenceu
Pelos caminhos da incompreensão
Quando um dia para sempre escurecer
Em nós sorrirá o amanhecer
As trevas da noite serão claridade
Não mais as migalhas serão comidas
Teremos na morte o sonho da vida
Vivendo enfim a igualdade.
José Emílio Cepeda
(Prof. de História)
Escola Secundária da Sé – Bragança
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