EMPRESTA-ME A TUA VOZ
Empresta-me a tua voz
Quando não puder falar
Previne esse medo atroz
Que nos incita a calar…
Empresta-me a tua voz
Para entoar um sorriso
Que nos torne menos sós
Audível quando é preciso…
Empresta-me a tua voz
Para poder dizer o que sinto
E o que me faz este labirinto…
Empresta-me a tua voz
Para trautear a melodia
Que amenize o dia a dia…
In “Resquícios de Luz”
Colecção Sinais de Poesia
Edição de Formasau – Coimbra
Isabel Seixas
INDIFERENÇA
Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.
Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amado
Mas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.
Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
Guilherme de Almeida
(Poeta Brasileiro)
ERA UMA VEZ…
Quando eu era pequenino,
gostava de ouvir contar
histórias de princesinhas
encantadas ao luar.
Havia então lá em casa
uma criada velhinha,
a Sérgia contava histórias
– e que graça que ela tinha!
Lendas de reis e de fadas,
inda me incheis a lembrança!
Que saudades de vós tenho,
ó meus contos de criança!
“Era uma vez…” As histórias
começavam sempre assim;
e eu, então, sem me mexer,
ouvia-as até ao fim.
Lembro-me ainda tão bem!
Os irmãos à minha beira,
calados! E a boa Sérgia
contava desta maneira:
“Era uma vez…” E depois,
olhos fitos nos seus lábios,
ouvia contos sem conta
de gigantes e de sábios…
“Era uma vez…” E, por fim,
a voz da Sérgia parava…
E assim como eu te contei
era como ela contava.
Ai! que saudade, que pena,
que nos meus olhos tu vês!
Eu sentava-me e ela, então,
começava: - “Era uma vez…”
In “O Príncipe Imaginário e
Outros Contos Tradicionais Portugueses”
Adolfo Simões Muller
SÓ POR ISSO, MÃE
Mesmo que a noite esteja escura,
Ou por isso,
Quero acender a minha estrela.
Mesmo que o mar esteja morto,
Ou por isso,
Quero enfunar a minha vela.
Mesmo que a vida esteja nua,
Ou por isso,
Quero vestir-lhe o meu poema.
Só porque tu existes,
Vale a pena!
In "Mulher Mãe"
Lopes Morgado
O MUNDO NUMA MÃO
Debalde me levanto e me preparo
Para abarcar o mundo num abraço
E, sem sequer saber porque é que o faço,
Ao tocar-lhe ao de leve é que reparo
Que, sendo humana, ainda me deparo
Com as limitações deste meu traço...
Embora tendo o mundo no regaço
Sou apenas mulher e não é raro
Sentir-me limitada e pequenina
Dentro deste meu corpo perecível...
Talvez ter asas seja uma invenção
Da minha fantasia de menina,
Mas sei que estão em mim e que é possível
Caber-me o mundo inteiro numa mão!
Poema não Editado
Maria João Brito de Sousa
(Gentilmente cedido pela autora)
MANIAS
O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada, -
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!
Lisboa 1874
In “O Livro de Cesário Verde”
Cesário Verde
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