NA DANÇA VOU
Na dança
vou
do tempo em mudança,
buscando a esperança
daquilo que eu quero ser
e não sou
Meu corpo avança
no barco em que me vou
em busca daquilo que procuro
e não vou
Meu peito cansa
depois de muito que já andou
envolto na vaga esperança
daquilo que quero
e não sou
E
teimando vou
enquanto não alcanço
aquilo que busco
e não sou.
In “Letras & Letras” nº. 50
Ano IV – 03/07/1991
João Barroso da Fonte
PARA QUE A ESCRITA SEJA LEGÍVEL,
Para que a escrita seja legível,
é preciso dispor os instrumentos,
exercitar a mão,
conhecer todos os caracteres.
Mas para começar a dizer
alguma coisa que valha a pena,
é preciso conhecer todos os sentidos
de todos os caracteres,
e ter experimentado em si próprio
todos esses sentidos,
e ter observado no mundo
e no transmundo
todos os resultados dessas experiências.
Maio, 1963
In "Poesia Completa"
Editora. Nova Aguilar
Cecília Meireles
(Poetisa Brasileira)
ESCREVE-ME...
Escreve-me! Ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!
Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que te não vejo, amor! Meu coração
Morreu já, e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração!
"Amo-te!" Cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade!
Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...
27/4/1914
In “O Livro D’ele – Poesia Completa”
Publicações D. Quixote
Florbela Espanca
SONETO LXXVI
Porque de orgulho são tão nus meus versos,
tão limpos de contraste e mudanças?
Porque, com o tempo, não vão sendo imersos
em novo estilo e estranhas esquivanças?
Porque escrevo eu sempre tão igual ao que era,
mantendo-me fiel ao que inventei,
que cada termo é como se dissera
quanto de mim procede que o gerei?
Que é só de ti, meu doce amor, que escrevo
contigo e Amor aos devaneios basto;
e o meu saber de poeta é este enlevo
de ainda outra vez gastar o que está gasto.
Tal como o Sol é novo cada dia,
assim do Amor eu digo o que dizia.
In “Poemas de Amor” – Versões Ana Leal
Edição Alma Azul
William Shakespeare
(Poeta Inglês)
QUE ME QUEREIS, PERPÉTUAS SAUDADES?
Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
e, se torna, não tornam as idades.
Razão é já, ó anos, que vos vades,
porque estes tão ligeiros que passais,
nem todos para um gosto são iguais,
nem sempre são conformes as vontades.
Aquilo a que já quis é tão mudado,
que quase é outra cousa; porque os dias
têm o primeiro gosto já danado.
Esperanças de novas alegrias
não mas deixa a Fortuna e o Tempo errado,
que do contentamento são espias.
In “Eu Cantarei de Amor – Poesia Lírica de Camões”
Areal Editores
Luís de Camões
LÁGRIMA DE CERA
Passou; viu a porta aberta.
Entrou; queria rezar.
A vela ardia no altar.
A igreja estava deserta.
Ajoelhou-se defronte
Para fazer a oração;
Curvou a pálida fronte
E pôs os olhos no chão.
Vinha trêmula e sentida.
Cometera um erro, a cruz
É a âncora da vida,
A esperança, a força, a luz.
Que rezou? Não sei. Benzeu-se
Ràpidamente. Ajustou
O véu de rendas. Ergueu-se
E à pia se encaminhou.
Da vela benta que ardera,
Como tranqüilo fanal,
Umas lágrimas de cera
Caíam no castiçal.
Ela porém não vertia
Ma lágrima sequer.
Tinha fé, - a chama a arder -
Chorar é que não podia.
In “Falenas” - 1870
Machado de Assis
(Poeta Brasileiro)
CRIANÇAS DE TODO MUNDO
SÃO Brancas, vermelhas,
amarelas e negras.
SÃO Futuros homens e mulheres do mundo.
Têm o olhar inocente e profundo.
VIVEM No Biafra, na América Latina,
na Ásia e na Abissínia.
VIVEM Em barracas, em casas de madeira,
no chão ou numa esteira.
NÃO SABEM Ler, nem escrever,
nem mesmo saber comer.
NÃO SABEM O que são brinquedos,
montanhas ou penedos.
TÊM Sede, fome e dor,
muito frio ou muito calor.
TÊM Poucos anos de vida
porque morrem sem a ter vivido.
SABEM Roubar e enganar,
fugir, correr e arriscar;
SABEM Que lutam para sobreviver.
Porque parar é morrer.
ANDAM Debaixo de chuva e sol escaldante,
de granizo, vento e neve arrepiante.
ANDAM Descalças, nuas e esfarrapadas,
sujas, doentes e esfomeadas.
MORREM Aos milhares, aos milhões,
de doenças sem razões.
MORREM Sós, abandonadas sem compaixão,
sem ninguém lhes dar a mão.
QUEM SÃO Esses desditosos seres
que nunca viveram felizes?
QUEM SÃO Estas a quem, triste sorte,
a ironia do destino condena à morte?
SÃO Crianças, somente crianças,
nada mais são do que crianças.
SÃO Crianças de olhar ingénuo e profundo.
SÃO CRIANÇAS DE TODO O MUNDO.
In “Saúde e Lar/Junho de 1991”
Joel Curado
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