INCERTEZA
Em meu olhar se espelha
a sombra interior de incerteza angustiante.
E em minha alma floresce, como rosa vermelha
dum vermelho gritante,
como o clangor clarim,
esta angústia que vive a vibrar dentro em mim.
É a minha vida um longo e ansioso esperar,
num amor que há de vir.
Amor - prazer que é dor e sofrer que é gozar -
Amor que tudo dá sem nada nos pedir,
e que, às vezes, num rápido segundo,
resume a glória toda e toda a ânsia do mundo.
Mas depois deste amor, o que virá? O tédio
insípido e tristonho,
desenganos sem cura e dores sem remédio.
Com a posse dum bem, o desfolhar dum sonho...
Vale mais, muito mais,
desejar sempre um bem, sem possui-lo jamais.
Oh! não. O coração
não se cansa de amar se sabe querer bem.
- Ter para o erro o perdão,
renunciar a si mesmo e viver para alguém -
E se um motivo qualquer,
imperioso e fatal, o sonho desfizer?
Então eu saberei bendizer, comovida,
o amor que já passou,
deixando uma doçura amarga em minha vida.
Quando o sonho murchar,
a esperança está finda,
mas dentro d'alma, fica uma saudade linda.
In Revista "O Malho"
Ano XXXV - nº 185 - 17.Dez.1936
Jacinta Passos
(1914-1973)
Brasil
FIM DO MUNDO
O tímpano está no fim.
A íris ficou transparente.
O sentido se desgasta.
Até o sentido está transparente.
A pressa alcança a pressa.
A terra arredonda a terra.
A mente encosta a mente.
Claro espectáculo: onde está o olho?
Tudo perdido, nenhum perigo
Força a mão heróica.
Corpos não se opõem mais
Um contra o outro. O mundo acabado
É semelhança em toda parte.
Caem os nomes do contraste
No centro que se expande.
O mar seco estende o universal.
Nem súplica nem negativa
Perturbam a evidência geral.
A lógica tem lógica, e eles ficam
Trancados nos braços um do outro,
Senão seriam loucos,
Com tudo perdido e nada que prove
Que até o nada sobrevive ao amor.
In "Mindscapes"
Selecção tradução e introdução Rodrigo Garcia Lopes
Iluminuras - 2004
Laura Riding **
(1901-1991)
EUA
** Pseudónimo de Laura Reichenthal
CANÇÃO PARA ALBUM DE MOÇA
Bom-dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria.
Bom-dia mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom-dia à moça que estava,
de noite como de dia,
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom-dia.
Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria
ou tarde vier, contudo
esperarei o bom-dia.
E sobre casas compactas
sobre o vale e a serrania,
irei repetindo manso
a qualquer hora: bom-dia.
O tempo é talvez ingrato
e funda a melancolia
para que se justifique
o meu absurdo bom-dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.
Bom-dia: repito à tarde,
à meia-noite: bom-dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom-dia.
Bom-dia: apenas um eco na mata
(mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
ao meu bom-dia: bom-dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia.
In “Obra Poética” – 3.º vol.
Carlos Drummont de Andrade
(1902-1987)
Brasil
COMO, MORTE, TEMER-TE?
Como, morte, temer-te?
Não estás aqui comigo, a trabalhar?
Não te toco em meus olhos; não me dizes
que não sabes de nada, que és vazia,
inconsciente e pacífica? Não gozas,
comigo, tudo: glória, solidão,
amor, até tuas entranhas?
Não me estás a sustentar,
morte, de pé, a vida?
Não te levo e trago, cego,
como teu guia? Não repetes
com tua boca passiva
o que quero que digas? Não suportas,
escrava, a gentileza com que te obrigo?
Que verás, que dirás,aonde irás
sem mim? Não serei eu,
morte, tua morte, a quem tu, morte,
deves temer, mimar, amar?
In "Antologia Poética"
Tradução de José Bento
Juan Ramón Jiménez
(1881-1958)
Espanha
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