GAIVOTAS
Não sei onde as gaivotas fazem ninho,
onde encontram a paz.
Sou como elas,
em perpétuo voo.
Raso a vida
como elas rasam a água
em busca de alimento.
E amo, talvez como elas, o sossego,
o grande sossego marinho,
mas o meu destino é viver
faiscando na tempestade.
In “Três Momentos da Poesia Europeia”
(De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas)
Selecção, tradução e notas de Albano Martins
Edições Afrontamento
Vincenzo Cardarelli
(1887-1959)
OCASO
Hora calma da tarde que adormece.
O céu é tão límpido que ainda
O sol está no céu, e já aparece
O fulgor das estrelas. Tarde linda!
A terra está quieta, recolhida,
Olhando o espaço. O ar se cala: e até
Parece que suspende agora a vida
Em tudo, como em êxtase de fé.
Dobram-se meus joelhos para a terra,
E os meus olhos se perdem na amplidão.
E minh´alma que aos poucos se descerra
Do corpo, vai onde os olhos não vao.
E ficou imóvel, mudo, sem sentido.
Do que há torno a mim, e dentro sinto
Outro mundo em que vivo, já vivido,
Talvez quando o meu corpo era indistinto.
E estou assim como quem vai sentindo
Que o sono vem e as pálpebras fechou;
Outro mundo em que vivo, já vivido,
Talvez quando o meu corpo era indistinto.
E estou assim como quem vai sentindo
Que o sono vem e as pálpebras fechou;
E acordado não está, nem está dormindo,
E está n´um sonho. Assim eu estou.
In “Versos” - 1909
Mário Alencar
(1872-1925)
SILÊNCIO
Estou a ouvir-me
Os barulhos de mim,
os eus que me reivindicam
lutando entre si,
matando-me aos milhares.
Ai... As dores que oiço
e as que finjo ver...
tudo dentro de mim.
Sinto o âmago sismicar,
soltar-se ígneo
e queimar...
Sou eu a acontecer.
In "Cheio de tão Vazio"
Alcance Editores
Mauro Manhiça
(N.1980)
FOLHA
Sou como aquela folha – olha –
naquele ramo nu, que ainda um prodígio
mantém presa.
Nega-me, pois. De tal não entristeça
a bela idade que te dá essa cor ansiosa
e em mim só se demora num ímpeto infantil.
Dize-me tu adeus, se pela minha parte o não consigo.
Morrer é nada; perder-te é que é difícil.
In “Três Momentos da Poesia Europeia”
(De Safo e Píndaro a Ungaretti e Salinas)
Selecção, tradução e notas de Albano Martins
Edições Afrontamento
Umberto Saba
(1883-1957)
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