RETRATO
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil.
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
In “Antologia Poética”
Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro
Cecília Meireles
Poeta Brasileira
(1901 – 1964)
INFÂNCIA
Ó anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta de azul!...
Ó anjo da loura trança,
És criança,
A vida começa a rir.
- Vive e folga descansada,
Descuidada
Das tristezas do porvir.
Ó anjo da loura trança,
Não descansa
A primavera inda em flor;
Por isso aproveita a aurora
Pois agora
Tudo é riso e tudo amor.
Ó anjo da loura trança,
A dor lança
Em nossa alma agro descrer.
- Que não encontres na vida
Flor querida,
Senão contínuo prazer.
Ó anjo da loura trança,
A onda é mansa
O céu é lindo dossel;
E sobre o mar tão dormente,
Docemente
Deixa correr teu batel.
Ó anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!...
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta de azul!...
Rio – 1858
In “As Primaveras”
Casimiro de Abreu
Poeta Brasileiro
(1839 – 1860)
PESO DE OUTONO
Eu vi o Outono desprender suas folhas,
cair no regaço de mulheres muito loucas.
Cem duzentas pessoas num café cheio de fumo
na cidade de Heidelberg pronta para a neve
saboreavam tepidamente a sua ignorância.
Eu vi as amantes ensandecerem
com esse peso de Outono. Perderam as forças
com o Outono masculino e sangrento.
Os gritos a meio da noite
das amantes a meio da loucura voavam
como facas para o meu peito.
Alguns poetas li-os melhor no Outono,
certos amores só poderia tê-los,
como tive, nos dias doces da vindima.
In "A Musa Irregular"
Edições Asa
Fernando Assis Pacheco
(1937 – 1995)
A MORTE ABALOU
Bateram à minha porta,
Mansamente fui espreitar;
Era a negra e feia morte
Que me queria levar!
Eu parei surpreendida
Minha porta não abri;
- P’ra que queres a minha vida
Se eu ainda a não vivi?
Então a morte abalou,
Mas disse por despedida:
- Tu própria me hás-de chamar
Cansada da triste vida.
Assim passaram os anos,
Ri, cantei, chorei, vivi!
Mas da vida os desenganos
Foi o que eu mais senti.
E quando a morte voltou,
Depois de muito a chamar,
Num pronto me aliviou
Deste tão triste penar!
In “Pétalas ao Vento”
Antónia da Conceição Louro Dionísio do Rosário
(1927 – 1977)
ESTÁTUA FALSA
Só de ouro falso os meus olhos se douram;
Sou esfinge sem mistério no poente.
A tristeza das coisas que não foram
Na minha'alma desceu veladamente.
Na minha dor quebram-se espadas de ânsia,
Gomos de luz em treva se misturam.
As sombras que eu dimano não perduram,
Como Ontem, para mim, Hoje é distancia.
Já não estremeço em face do segredo;
Nada me aloira já, nada me aterra:
A vida corre sobre mim em guerra,
E nem sequer um arrepio de mêdo!
Sou estrêla ébria que perdeu os céus,
Sereia louca que deixou o mar;
Sou templo prestes a ruir sem deus,
Estátua falsa ainda erguida ao ar...
(Paris, 5 de Maio de 1913)
Dispersão
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Mário de Sá-Carneiro
(1890 – 1916)
RESGATE
Meus pés moídos na calçada,
minhas tardes envenenadas de álcoois nos cafés,
e o vazio por dentro
a encher o tédio das horas sem nome.
Tudo isto
- moeda triste
que nem chega a pagar o sol da tardinha
e a poeira de feno que pontilhou de oiro
teu corpo entre trigais.
In “Breve”
João José Cochofel
(1919 – 1982)
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