SOMOS DO PAÍS DO SIM
Somos do país do sim
o da tristeza em azul,
tudo o que existe é assim
neste sul.
Mostramos o sol e o mar
E vendemo-lo a quem tem,
Para podermos aguentar
O que vem.
Ah, país do fato preto,
Meu país engravatado
Do grande amor em soneto
Da grande desgraça em fado.
In “Cem Poemas Portugueses sobre Portugal e o Mar”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Maria Judite Carvalho
1921 – 1998
NATAL
Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.
Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
In “Poesias” Fernando Pessoa.
Ática, 1942 (15ª ed. 1995)
Fernando Pessoa
1888 – 1935
OLHOS NEGROS
Por teus olhos negros, negros,
Trago eu negro o coração,
De tanto pedir-lhe amores...
E eles a dizer que não.
E mais não quero outros olhos,
Negros, negros como são;
Que os azúis dão muita esp'rança,
Mas fiar-me eu neles, não.
Só negros, negros os quero;
Que, em lhes chegando a paixão,
Se um dia disserem sim...
Nunca mais dizem que não.
In "Garrett"
"Gigantes da Literatura Universal"
Editora Verbo - Fev.1972
Almeida Garrett
1799 – 1854
DÁ-ME A TUA MÃO.
Deixa que a minha solidão
prolongue mais a tua
— para aqui os dois de mãos dadas
nas noites estreladas,
a ver os fantasmas a dançar na lua.
Dá-me a tua mão, companheira,
até o Abismo da Ternura Derradeira.
In “Poeta Militante I”
Publicações D. Quixote
José Gomes Ferreira
1900 – 1985
AFIRMAS QUE BRIGÁMOS. QUE FOI GRAVE.
Afirmas que brigámos. Que foi grave.
Que o que dissemos já não tem perdão.
Que vais deixar aí a tua chave
e vais à cave içar o teu malão.
Mas como destrinçar os nossos bens?
Que livro? Que lembranças? Que papel?
Os meus olhos, bem vês, és tu que os tens.
Não te devolvo - é minha! - a tua pele.
Achei ali um sonho muito velho,
não sei se o queres levar, já está no fio.
E o teu casaco roto, aquele vermelho
que eu costumo vestir quando está frio?
E a planta que eu comprei e tu regavas?
E o sol que dá no quarto de manhã?
É meu o teu cachorro que eu tratava?
É teu o meu canteiro de hortelã?
A qual de nós pertence este destino?
Este beijo era meu? Ou já não era?
E o que faço das praias que não vimos?
Das marés que estão lá à nossa espera?
Dividimos ao meio as madrugadas?
E a falésia das tardes de Novembro?
E as sonatas que ouvimos de mãos dadas?
De quem é esta briga? Não me lembro.
In “Cem Poemas Portugueses no Feminino”
Selecção e Org. de José Fanha e José Jorge Letria
Editora Terramar
Rosa Lobato de Faria
1932 – 2010
SOMOS O FILTRO, A PAUSA E O SEGMENTO
Somos o filtro, a pausa e o segmento,
o lábio frio que incendeia a frase
e o ritmo, incandescente deflexão.
E somos a pausa que no filtro apara
o resto do segmento, inumerável
circuito articulado. Somos vento
que se emaranha tanto de fluir
o pouco de passarmos a tensão.
E somos tudo, o menos que na pausa
ao filtro com mestria se aglutina.
In “Invenção do Problema”
Moraes Editores – 1986
Luís Adriano Carlos
N. 1959
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