Sexta-feira, 28 de Novembro de 2014

Eu li... Catarina Nunes de Almeida

 

O VERÃO NÃO TINHA LIMITES

 

o Verão não tinha limites.

a mulher lidava com a casa pele com pele

andava todos os dias muito de noite

dias e dias de noite de roda dos fetos

toda dentro do Verão sem nenhum

tornozelo de fora.

era o Verão em hora de ponta

a mulher arrastava-se dentro da mulher.

os dias só faziam sentido existindo noites

as noites só faziam sentido trincando nêsperas

e bordando palavras que dessem sombra no ventre.

 

uma noite a mulher bordou a palavra mulher

e deitou-se de bruços.

era quase luz quando a primeira letra se ergueu.

e sem que houvesse tempo de escolher canção e vinho à altura

dessa primeira letra saiu o corpo

íngreme

arado

torrencial

do que havia de ser o anjo.

 

In “Marsupial” Lisboa:

Mariposa Azual - 2014

 

Catarina Nunes de Almeida

N.1982

 

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Domingo, 23 de Novembro de 2014

Eu li... Margarida Vale de Gato

COM PAIXÃO E HIPOCONDRIA

 

Confortamo-nos com histórias laterais,

evitamos o toque, há risco de contágio;

por mais que preservemos a franqueza

passou o estágio já da frontal alegria:

estamos bem, obrigada, embora aquém

de antes – entretanto admitimos não

saber, e enquanto resta isto indefinido,

mesmo com luvas, pinças de parafina,

não sondamos mais, sob pena de crescer

um quisto nesse incisivo sítio onde

achámos sem tacto que menos doía

 

In “Mulher ao Mar”

Mariposa Azual -2010

 

Margarida Vale de Gato

N. 1973

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Terça-feira, 18 de Novembro de 2014

Eu li... Bernardo de Passos

DESENCANTO

 

Teus olhos, cuja luz

Já me envolveu d'amor o coração

E doirou minha cruz

Do seu divino e mágico clarão...

 

Teus olhos, cuja graça

Já em risos passou por sobre mim,

Como pelo ermo passa

A Luz a desfolhar-se, - alvo jasmim...

 

Teus olhos, cujo pranto

Por mim já derramaste, quando ausente,

Cheia de dor e encanto,

Choravas de saudade, aflitamente...

 

Teus olhos, esses sóis

Que eu adorava como o persa adora

O sol entre arrebois...

- O meu Norte, o meu Dia, a minha Aurora!

 

Teus olhos... porque os vi

Fitando uns outros que não são os meus,

De todo os esqueci...

E assim manchaste tu esses dois céus!...

 

In “Obra Poética de Bernardo de Passos”

Edição da C. M.de S. Brás de Alportel - Novembro de 1982  

 

Bernardo de Passos

1876 – 1930

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Quinta-feira, 13 de Novembro de 2014

Eu li... Gastão Cruz

CANÇÃO SEXTA

 

Tanto o pó de outro dia destruíra

o último sossego novamente

este cheiro de vida embora andasse

a tarde sobre tudo sem sossego

engano

escasso vento

o pó levando ainda de outro dia

 

Do abrigo do dia novamente

lançados sobre a áspera cratera

dos enganos lavrada do sossego

no uso dos enganos tão ciente

ar doce do amor que leva o pó

do abrigo do dia sobre tudo .

frágil disperso fora com o vento

lançados do engano do sossego

 

Somente já de vida mantivera

não da gruta da tarde as vãs lembranças

o pó do dia

as nuvens os enganos

desabridos da tarde enfim de vida

as crateras apenas despejadas

assim o pó ardia novamente

surdo cansado espesso pó da terra

 

Não trazia lembranças

sem sossego abrigava de outro dia

da tarde sossegada a escassa vida

De destroços canção somente a vida

não reduz do sossego destruído

de outro dia a lembrança ao pó que a traz

 

In “Poesia 1961-1981”

O Oiro do Dia

 

Gastão Cruz

N.1941

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Sábado, 8 de Novembro de 2014

Eu li... Gentil de Valadares

CLICHÉ

 

Descalça vai pela estrada

A formosa lavradeira,

Leva ao ombro uma aguilhada

E conduz os bois à feira.

 

O seu rosto oval, perfeito,

Lembra o de Nossa Senhora:

Falta-lho Menino ao peito...

S.José, quem o não fora?!

 

– Teus cabelos são de trevas!...

A enfeitar o penteado.

Muito escarlate... que levas?

– Uma papoila do prado.

 

Quadra-lho corpete bem

Sem renda nem entremeio,

Por feitio apenas tem

Dois balõezinhos no seio...

 

A saia se amolda às ancas

Com volúpia e tais maneiras

Que, se mostra as fraldas brancas,

Parecem duas peneiras...

 

Descalça vai pela estrada

Mai-los bois essa donzela

E conduz, com a aguilhada.

Os meus olhos atrás dela!

 

In “Luar e Sol” – 1961

Pap. Liz  

 

Gentil de Valadares

1916 – 2006

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Segunda-feira, 3 de Novembro de 2014

Eu li... Gonçalves Crespo

MATER DOLOROSA

 

Quando se fez ao largo a nave escura,

na praia essa mulher ficou chorando,

no doloroso aspecto figurando

a lacrimosa estátua da amargura.

 

Dos céus a curva era tranquila e pura;

das gementes alcíones o bando

via-se ao longe, em círculos, voando

dos mares sobre a cérula planura.

 

Nas ondas se atufara o Sol radioso,

e a Lua sucedera, astro mavioso,

de alvor banhando os alcantis das fragas!...

 

E aquela pobre mãe, não dando conta

que o sol morrera, e que o luar desponta,

a vista embebe na amplidão das vagas...
 
In “Nocturnos”

 

Gonçalves Crespo

1846 – 1883

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