APELO PARACLETO
Para o Francisco Jorge
Deixa-te estar assim um instante mais pousada
no parapeito da janela,
antiquíssima profetisa dos bosques.
Não te vás,
pequeno deus do orvalho
(pelo menos enquanto escrevo este poema).
Deixa-te estar um instante mais
pousada
no parapeito da janela
que eu não sou caçador não ouso
armadilhas nem flechas
nem te levarei de oferta à minha amada,
noiva de Salomão,
ave sagrada de Afrodite,
símbolo talmúdico da castidade.
Fica,
alado peixe duplo,
breve mensageira da Grande Mãe Telúrica.
Deixa-te estar um instante mais pousada
no parapeito da janela,
portadora do ramo de oliveira.
Quero saber se o Dilúvio Universal
já acabou lá fora
e se o Espírito de Deus paira de novo sobre
as águas da substância primordial
indiferenciada.
In “O Instante Suspenso”
Editado por Instituto Açoriano da Cultura
Emanuel Félix
1936 – 2004
EU ESCREVI UM POEMA TRISTE
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
In “A Cor do Invisível”
Editora Globo – 1989
Mário Quintana
(Poeta Brasileiro)
1906 – 1994
COR - RESPONDÊNCIA
Remeta-me os dedos
em vez de cartas de amor
que nunca escreves
que nunca recebo.
Passeiam em mim estas tardes
que parecem repetir
o amor bem feito
que voce tinha mania de fazer comigo.
Não sei amigo
se era o seu jeito
ou de propósito
mas era bom, sempre bom
e assanhava as tardes.
Refaça o verso
que mantinha sempre tesa
a minha rima
firme
confirme
o ardor dessas jorradas
de versos que nos bolinaram os dois
a dois.
Pense em mim
e me visite no correio
de pombos onde a gente se confunde
Repito:
Se meta na minha vida
outra vez meta
Remeta.
In “O semelhante”
Editora Record - Rio de Janeiro - Brasil
Elisa Lucinda
(Poeta Brasileira)
N. 1958
MADURO PARA O CANTO
Maduro para o canto
vertes, cântaro,
a água pura
e suas sete cores
unindo lago e lago.
Barco em flor
rio correndo da prece
promessa em silêncio
da messe.
Sem pressa
o agapanto floresce.
In “ANDANÇAS 1948-1970”
Edição da Autora
Dora Ferreira da Silva
(Poeta Brasileira)
1918 – 2006
PAI, DIZEM-ME QUE AINDA TE CHAMO
Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono - a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aí
nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me
depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem
que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome - porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.
In 'Nenhum Nome Depois'
Editora Gótica
Maria do Rosário Pedreira
N. 1959
AMOR PÁTRIO
(Afonso Henriques)
A Licinio Perdigão
O fundador da Patria Portuguesa
Foi um supremo genio da Vitória;
Guerreiro com bravura e destreza,
Remotamente honrou a nossa história.
Heroicidade cheia de nobreza,
As gerações respeitam-lhe a memoria,
O tempo não destroi tanta grandeza,
É imortal a verdadeira glória!...
Alargando as fronteiras, o poder
Da nova Patria, que a seus olhas brilha,
Quase renega quem lhe deu o ser.
Divisa um rumo só, radiosa trilha,
A que lhe impõe a honra e o dever;
Tambem a Patria é mãe... e sua filha.
Do livro Sem norte, no prelo.
In “Alma Nova”
Directores Literários A. Bustorff & Mateus Moreno
Ano III – Janeiro -1918 – Nº 25 (III Série)
Pág. 6
Cruz Magalhães
1864 – 1928
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