OUVI SENHORA...
Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s´estertora
N´ânsia letal que mata e que o devora
E que tornou-o assim, triste e descrido.
Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.
E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,
Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora,
Como um coveiro a sepultar quimeras!
In "Obra Completa",
Organização e notas Alexei Bueno
Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro – 1994
Augusto dos Anjos
(Poeta Brasileiro)
1894 – 1914
VIOLONCELO
Chorai arcadas
De violoncelo!
Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos…
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro…
Que ruínas (ouçam)
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...
Trémulos astros…
Soidões lacustres...
– Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
– Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo…
(Clepsidra)
In ”Ler Por Gosto”
Areal Editores
Camilo Pessanha
1867 – 1926
PRAZO DE VIDA
No meio do mundo faz frio,
faz frio no meio do mundo,
muito frio.
Mandei armar o meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!
No meio das águas faz frio.
Faz frio no meio das águas,
muito frio.
Marinheiro serei sombrio,
por minha provisão de mágoas.
Tão sombrio!
No meio da vida faz frio,
faz frio no meio da vida.
Muito frio.
O universo ficou vazio,
porque a mão do amor foi partida
no vazio.
In “Mar Absoluto”
Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro
Cecília Meireles
1901 – 1964
BANHO
De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava
dos arenzés de alcova. Caminhando
um passo brando pelas roças ia
nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio
com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio
onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba
e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava
por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes
velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.
Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.
Secava-se no vento, recolhia
só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.
Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.
Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.
In “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”
Editora Objetiva – Rio de Janeiro
Zila Mamede
(Poetisa Brasileira)
1929 – 1985
PERDESTE
Perdeste o isqueiro
e estás perturbada
e digamos que tens razão
porque deixaste para trás
qualquer pertence da realidade
Hesitas se hás-de regressar ao seu encontro
mas talvez te percas exactamente aí
ao regressares
Olha melhor as estrelas
é noite
e estamos à ilharga do tempo
In “O Afastamento Está Ali Sentado”
Quasi Edições – 2002
Daniel Maia-Pinto Rodrigues
N. 1960
OS SILÊNCIOS DA FALA
São tantos
os silêncios da fala
De sede
De saliva
De suor
Silêncios de silex
no corpo do silêncio
Silêncios de vento
de mar
e de torpor
De amor
Depois, há as jarras
com rosas de silêncio
Os gemidos
nas camas
As ancas
O sabor
O silêncio que posto
em cima do silêncio
usurpa do silêncio o seu magro labor.
In “Vozes e Olhares no Feminino”
Edições Afrontamento – 2001
Maria Teresa Horta
N. 1937
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...