Terça-feira, 28 de Janeiro de 2014

Eu li... Augusto dos Anjos

OUVI SENHORA...

 

Ouvi, senhora, o cântico sentido

Do coração que geme e s´estertora

N´ânsia letal que mata e que o devora

E que tornou-o assim, triste e descrido.

 

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,

As minhas crenças que alentei outrora

Rolam dispersas, pálidas agora,

Desfeitas todas num guaiar dorido.

 

E como a luz do sol vai-se apagando!

E eu triste, triste pela vida afora,

Eterno pegureiro caminhando,

 

Revolvo as cinzas de passadas eras,

Sombrio e mudo e glacial, senhora,

Como um coveiro a sepultar quimeras!

 

In "Obra Completa",
Organização e notas Alexei Bueno
Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro – 1994

 

Augusto dos Anjos
(Poeta Brasileiro)
1894 – 1914

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quinta-feira, 23 de Janeiro de 2014

Eu li... Camilo Pessanha

VIOLONCELO

 

Chorai arcadas

De violoncelo!

Convulsionadas,
Pontes aladas
De pesadelo...

 

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos…
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

 

Fundas, soluçam
Caudais de choro…
Que ruínas (ouçam)
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

 

Trémulos astros…
Soidões lacustres...
– Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

 

Urnas quebradas!
Blocos de gelo…
– Chorai arcadas,
Despedaçadas,

Do violoncelo…

 

(Clepsidra)

 

In ”Ler Por Gosto”

Areal Editores

 

Camilo Pessanha

1867 – 1926

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sábado, 18 de Janeiro de 2014

Eu li... Cecília Meireles

PRAZO DE VIDA

 

No meio do mundo faz frio,

faz frio no meio do mundo,

muito frio.

 

Mandei armar o meu navio.

Volveremos ao mar profundo,

meu navio!

 

No meio das águas faz frio.

Faz frio no meio das águas,

muito frio.

 

Marinheiro serei sombrio,

por minha provisão de mágoas.

Tão sombrio!

 

No meio da vida faz frio,

faz frio no meio da vida.

Muito frio.

 

O universo ficou vazio,

porque a mão do amor foi partida

no vazio.

 

In “Mar Absoluto”

Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro

 

Cecília Meireles

1901 – 1964 

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ver comentários (1) | favorito
Segunda-feira, 13 de Janeiro de 2014

Eu li... Zila Mamede

BANHO

 

De cabaça na mão, céu nos cabelos
à tarde era que a moça desertava

dos arenzés de alcova. Caminhando

um passo brando pelas roças ia

nas vingas nem tocando; reesmagava
na areia os próprios passos, tinha o rio

com margens engolidas por tabocas,
feito mais de abandono que de estrada
e muito mais de estrada que de rio

onde em cacimba e lodo se assentava
água salobre rasa. Salitroso
era o também caminho da cacimba

e mais: o salitroso era deserto.
A moça ali perdia-se, afundava-se
enchendo o vasilhame, aventurava

por longo capinzal, cantarolando:
desfibrava os cabelos, a rodilha
e seus vestidos, presos nos tapumes

velando vales, curvas e ravinas
(a rosa de seu ventre, sóis no busto)
libertas nesse banho vesperal.

Moldava-se em sabão, estremecida,
cada vez que dos ombros escorrendo
o frio d'água era carícia antiga.

Secava-se no vento, recolhia

só noite e essências, mansa carregando-as
na morna geografia de seu corpo.

Depois, voltava lentamente os rastos
em deriva à cacimba, se encontrava
nas águas: infinita, liquefeita.

Então era a moça regressava
tendo nos olhos cânticos e aromas
apreendidos no entardecer rural.

 

In “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”
Editora Objetiva – Rio de Janeiro

 

Zila Mamede
(Poetisa Brasileira)
1929 – 1985

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Quarta-feira, 8 de Janeiro de 2014

Eu li... Daniel Maia-Pinto Rodrigues

PERDESTE

 

Perdeste o isqueiro

e estás perturbada

e digamos que tens razão

porque deixaste para trás

qualquer pertence da realidade

 

Hesitas se hás-de regressar ao seu encontro

mas talvez te percas exactamente aí

ao regressares

 

Olha melhor as estrelas

é noite

e estamos à ilharga do tempo

 

In “O Afastamento Está Ali Sentado”

Quasi Edições – 2002

 

Daniel Maia-Pinto Rodrigues

N. 1960

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | favorito
Sexta-feira, 3 de Janeiro de 2014

Eu li... Maria Teresa Horta

OS SILÊNCIOS DA FALA

 

São tantos

os silêncios da fala

 

De sede

De saliva

De suor

 

Silêncios de silex

no corpo do silêncio

 

Silêncios de vento

de mar

e de torpor

 

De amor

 

Depois, há as jarras

com rosas de silêncio

 

Os gemidos

nas camas

 

As ancas

O sabor

 

O silêncio que posto

em cima do silêncio

usurpa do silêncio o seu magro labor.

 

In “Vozes e Olhares no Feminino”

Edições Afrontamento – 2001

 

Maria Teresa Horta

N. 1937

publicado por cateespero às 00:00
link do post | Deixe seu comentário | ver comentários (1) | favorito

.Eu

.pesquisar

 

.Maio 2017

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.posts recentes

. Eu li...

. Eu li... Olavo Bilac

. Eu li... António Botto

. Eu li... Charles Baudelai...

. Eu li... Su Dongbo

. Eu li... Jacinta Passos

. Eu li... Laura Riding

. Eu li... Carlos Drummont ...

. Eu li... Juan Ramón Jimén...

. Eu li... Vincenzo Cardare...

.arquivos

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

.tags

. todas as tags

blogs SAPO

.subscrever feeds