MÃE
De amor de mãe, em versos, tão cantado,
O maior exemplo é da Virgem Santa
Que, muda, vê, na cruz, que se levanta,
Seu filho, pelas lanças, trespassado.
No seu desfalecer, amargurado,
Uma forte dor, no peito, se implanta,
Com uma tristeza e amargura tanta
Como nunca se vira em nenhum lado.
De olhos chorosos, ela, então, confessa:
- Eu sei, meu Deus, eu sei que esta promessa
De morrer pelo homem, p´lo seu bem,
Foi, por ti, decretada, por amor,
Mas sou pobre mulher e a minha dor
Nasceu ao dar à luz, porque eu sou mãe.
In “Os Confrades da Poesia”
Ano IV – Boletim Bimensal Nº 48 – MaioJunho.2012
António Barroso (Tiago)
N. 1934
NO ÚLTIMO RESTAURO
No azulejo vasto há um monge
de perfil pétreo, desdenho eu,
que relê obstinado o enigma
audacioso de um Santo do século sexto.
Decifra na miniatura ali desenhada
e que suspensa numa nuvem nos parece.
O monge casto contempla a virtude e
o abismo que se descreve numa súmula
de copista puro.
No último restauro a limpidez
foi ofuscada por empastados
e cresceu a plumagem da pena
até então adelgaçada e mais fendida.
A sua mão está quebrada pela argamassa
que a divide em quadrados de azul.
O monge que decifra nas trevas
o seu refúgio, redige no século sexto.
Descubro, espiando, que há um monge, satânico,
que redige as trevas.
In “Polifemo e Outros Poemas”
INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda
José Emílio-Nelson **
N. 1948
** Pseudónimo literário de José Emílio de Oliveira Marmelo e Silva
SE O MEU PESCADOR PESCASSE
Se o meu pescador me pescasse
pelo arpão me agarrasse os versos
um a um, sem pressa
a melhor palavra do mar...
Mas em que lugar da asa
a palavra poderia ser mais bela?
Com que cheiro? Com que sabor?
Onde seria o lugar do sol
Com que cor? Com que brilho?
E sei que hei de escolher
depressa mas devagar
a palavra mais carnuda para comer
E vou comer intensamente
Com toda forca dos meus (d)entes
na ponta dos dedos
as palavras que não me calo
E um peixe com asas
Há de nascer
E há de pescar-me no alto
o pescador
Espero
In “Agarra-me o sol por trás”
Editora Escrituras – 2010
São Paulo – Brasil
Tânia Tomé
(Poetisa Moçambicana)
N. 1981
AMO-TE NO INTENSO TRÁFEGO
Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento.
In "Dos Líquidos"
Edição da Fundação Manuel Leão
Daniel Faria
1971 – 1999
NÃO TENHO LÁGRIMAS
Não tenho lágrimas
estou mais baixo
junto à cal
Vejo o solo extinto
não oiço ninguém
e não regresso
Adormecer talvez
junto a uma estaca
com uma pequena pedra
sobre as pálpebras
In "A Intacta Ferida"
Editora Relógio d'Água – 1991
António Ramos Rosa
1924 – 2013
O MEU CADERNO DE FOLHAS
Tenho folhas lanceoladas,
lobadas, lineares,
redondas, sagitadas,
elípticas, ovalares,
pilosas ou ciliadas,
filiformes, triangulares,
inteiriças, espatuladas,
em forma de coração.
E folhas A4 e A5,
lisas ou quadriculadas.
Mas estas não são
para aqui chamadas.
– Ou serão?
In “Herbário”
Editora Assírio & Alvim – 1999
Jorge de Sousa Braga
N. 1957
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...