LÁGRIMAS DE CERA
Quando Estela morreu choravam tanto!
Chovia tanto nessa madrugada!
— Era o pranto dos seus, casado ao pranto
Da Natureza — mãe desventurada
Ninguém podia ver-lhe o rosto santo,
A fronte nívea, a pálpebra cerrada,
Que não sentisse logo, em cada canto
Dos olhos uma lágrima engastada !
Ah!... Não credes, bem sei, porque não vistes!
Mas, quando ela morreu, chorava tudo!
Até dois círios, lânguidos e tristes,
Acendidos à sua cabeceira,
Iam chorando, no seu pranto mudo,
Um rosário de lágrimas de cera!
Raul Machado
1891 – 1954
(Poeta Brasileiro)
A CASA
Aqui projectei a minha casa:
alta, perpétua, de pedra e claridade.
O basalto negro, poroso
viria da Mesquita.
Do Riboque o barro vermelho
da cor dos ibiscos
para o telhado.
Enorme era a janela e de vidro
que a sala exigia um certo ar de praça.
O quintal era plano, redondo
sem trancas nos caminhos.
Sobre os escombros da cidade morta
projectei a minha casa
recortada contra o mar.
Aqui.
Sonho ainda o pilar -
uma rectidão de torre, de altar.
Ouço murmúrios de barcos
na varanda azul.
E reinvento em cada rosto fio
a fio
as linhas inacabadas do projecto.
In "O Útero da Casa"
Editorial Caminho
Conceição Lima
(Poetisa de S. Tomé e Príncipe)
N. 1961
POEMA DAS TRES CORES
Quando os meus olhos ávidos de Luz
Forem luzes azuis e verdes,
Quando os meus olhos ávidos de Céu
Forem céus azuis e verdes,
Quando os meus olhos ávidos de Mar
Forem mares azuis e verdes,
Quando os meus olhos ávidos de Vida
Forem vidas azuis e verdes,
Quando os meus olhos ávidos de Tudo
Forem todos azuis e verdes,…
…Então que venha a sonho cor de rosa!
In “Altura Cadernos de Poesia” I
Casa do Castelo Editora – Fevereiro de 1945
Carlos Macedo
N. ?
DO LADO DE FORA DO SILÊNCIO
Do lado de fora do silêncio
trago o gosto amargo
do teu beijo imperdoável.
Vejo-te,
na rua como na escuridão
mais densa que te consome.
Sofro-te,
na razão inversa
das mordeduras de alma
In “Geografias Dispersas”
Editora Edita-Me
Alexandra Malheiro
N. 1972
LAMENTO DO POETA OBJECTIVO
Anda-me o amor tomando a própria vida,
como se, amando, eu existisse mais.
E leva-me o Destino em voz traída,
como se houvera encontros desiguais.
A multidão me cerca, e, renascida,
já dela terei fome de sinais.
E, mal a noite se demora ardida,
o medo e a solidão me esfriam tais
as cinzas desse amor que sacrifico.
Não é futura a só miséria. A queixa
também não é: e apenas acontece
no vácuo imenso que este amor me deixa,
quando maior, quando de si mais rico,
se dá de mundo em mundo, e lá me esquece.
In “Post-Scriptum”
Jorge de Sena
1919 – 1978
UM OUTRO MAR, TAMBÉM PORTUGUÊS…
Preenche-me este mar que, ao abraçar-me,
Desperta mil sentidos ignorados
E eu fico culpada de pecados
Que ele engendrou em mim, só de tocar-me…
Porque tenta este mar despedaçar-me
Quando estou inocente entre os culpados?
Por que razão me traz tantos cuidados?
Por que tenta, este mar, aprisionar-me?
Eu, feita caravela-prometida,
Mergulho nele e dou-lhe a minha vida
Como se nada mais fosse importante…
Mulher ou caravela, eu estou perdida…
Inocente e, contudo, arrependida
De imaginar no mar um doce amante…
Sonetos do Mar
In “Poeta Porque Deus Quer”
1ª Edição – Janeiro.2009
Autores Editora
Maria João Brito de Sousa
N. 1952
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