OS VEGETANTES
Continuam aqui
roendo as unhas
Substituem as unhas por poemas
(ou cafés, futebol, anedotário)
e estilhaçam espelhos que na luz
ao seu devolvem a cruel imagem
Vidrado limo o rosto
de rugas sem memória
assistem à vida como um filme:
disparar sobre a tela é proibido
e além do mais inútil.
Curvam ao solo os ombros
escorjados; curvam-nos para
duradouras urtigas, seixos
sem horizontes, epitáfios
de lama, dezembros, poeira fria
Se chovem as esperanças não acorrem
a apanhá-las na boca ao ar aberto.
Tijolo articulado a língua balbucia
"É a vida!". Sementes violadas
não germinam
Em vão os bombardeiros os oráculos
com agulhas de sangue.
Nada tentam
para vida à fala que utilizam,
ao país do cansaço que entre dentes
ressaca.
E fazem do amor essa triste humidade,
um delíquio formal logo amortalhado
São dóceis, cibernéticos,
dia a dia premiados
de alguns gramas a mais
no chumbo do pescoço.
In “Os Confrades da Poesia”
Boletim Mensal Nº 43 – Dezembro.2011
Egito Gonçalves
1920 – 2001
MOIRO E CRISTÃ
O pobre moiro enamorou-se
D'Eli, moça cristã, sendo filho do Emir...
Tamanha dor sentiu, que o mísero exilou-se,
Como se alguém pudesse à propria dor fugir!
Longe, na terra alheia, abrasa-lhe a memória
A imagem da mulher que a vida lhe prendeu,
Vendo-a morta, a sorrir sob um nimbo de glória,
Mas no esplendor de um céu que nem mesmo era o seu...
Por sua vez, Eli nunca pôde esquecê-lo,
E nesse imenso amor, com presságios de agoiro,
Sentia-se morrer, como um lírio no gelo,
Sem o doce luar dos seus olhos de moiro...
Mas no instante supremo, ambos crentes, temendo
Que a Morte os separasse, em tão opostos céus,
Ele invocou Jesus, cheio de fé, morrendo;
E a cristã murmurou: «Alá! só tu és Deus!»
In “Sol de Inverno”
António Feijó
1859 – 1917
SONETO DO AMOR TOTAL
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo, de repente
Hei-de morrer de amar mais do que pude.
In “Operário em Construção e Outros Poemas”
Colecção Poesia Século XX – 5ª Edição (1976)
Publicações D. Quixote
Vinicius de Moraes
(Poeta Brasileiro)
1913 – 1980
CINCO SENTIDOS
Cinco sentidos são os cinco dedos
Com que o homem tacteia a escuridão,
Rodeado de sombras e segredos
De que busca, e não acha, a solução.
Mas decerto haverá mundos mais ledos
Onde outros seres, de maior visão,
Rompendo brumas, dissipando medos,
A treva finalmente vencerão.
E sendo sete as cores, e outros tantos
Os sons da escala, mas com mil matizes
Que prolongam seu eco e seus encantos,
Talvez nos seja um dia transmitido,
Por esses mundos fortes e felizes,
Um novo sexto e sétimo sentido!
In "Novos Sonetos"
Alberto d'Oliveira
1873 – 1940
UM HOMEM NO MAR
As notícias que chegam falam de um homem no caminho.
Pouco se pode dizer sobre um animal que ficou assim,
com os olhos voltados para as linhas verdes do pomar.
Dizem que um temporal lhes trespassou o coração, que
a sombra das árvores lhe tirou a luz das longas viagens.
mesmo assim, nunca se saberá por que morrem os homens.
Ontem, por acaso, caminhei para o mar. Toquei a concha
que, desde sempre, me esperava. Retirei-lhe o sopro das algas,
aquele engano verde que enlouquece os corpos coms sede.
Com os olhos para a madeira do barco que passava, parei e
vi a terra afogada. Um peixe pequeno tinha a graça da manhã.
Mais longe, no outro lado do céu, há uma bolha de poeira:
- um homem que escondeu o tempo para não ser visto.
In “A Terra e os Dias"
Pedra Formosa Edições
Firmino Mendes
N. 1949
A CIDADE EQUESTRE
A cidade equestre
No rio mergulha
Seus cascos de granito
E sobe
A galope
Encosta arriba
Num salto a prumo
(Lá onde o casario morre)
Upa!
É uma torre
Torre de pedra e nuvem
De pássaro de fogo
De corpo de mulher
Torre de tudo e de quanto
O sonho
A palavra o canto
Pode e quer.
(Linhas do Trópico – 1977)
In “Obra Completa”
Campo das Letras
Luís Veiga Leitão **
1912 – 1987
** Pseudónimo de Luís Maria Leitão
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