TEU LENÇO
O lenço que tu me deste
Trago – o sempre no meu seio,
Com medo que desconfiem
Donde este lenço me veio.
As letras que lá bordaste
São feitas do teu cabelo;
Por mais que o veja e reveja,
Nunca me farto de vê-lo.
De noite dorme comigo,
De dia trago – o no seio,
Com medo que os outro saibam
Donde este lenço me veio.
Alvo, da cor da açucena,
Tem um ramo em cada canto;
Os ramos dizem saudade,
Por isso lhe quero tanto.
O lenço que tu me deste
Tem dois corações no meio;
Só tu no mundo é que sabes
Donde este lenço veio.
Todo ele é de cambraia,
O lenço que me ofereceste;
Parece que inda estou vendo
A agulha com que o bordaste.
Para o ver até me fecho
No meu quarto com receio,
Não venha alguém perguntar-me
Donde este lenço me veio.
A cismar neste bordado
Não sei até no que penso;
Os olhos trago – os já gastos
De tanto olhar para o lenço.
Com receio de perdê-lo
Guardo – o sempre no meu seio,
De modo que ninguém saiba
Donde este lenço me veio.
Nas letras entrelaçadas
Vem o meu nome e o teu;
Bendito seja o teu nome
Que se enlaçou com o meu!
Por isso o trago escondido,
Bem guardado no meu seio,
Com medo que me perguntem
Donde este lenço me veio.
Quanto mais me ponho a vê – lo,
Mais este amor se renova;
No dia do meu enterro
Quero levá-lo p'ra cova.
Vem pô-lo sobre o meu peito,
Que eu hei-de tê-lo no seio;
Mas nunca digas ao mundo
Donde este lenço me veio.
In "Peninsulares"
José Simões Dias
1844 – 1899
MULHER
A mulher não é só casa
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama
E é preciso dizer
dessa antiga condição
a mulher soube trazer
a cabeça e o coração
Trouxe a fábrica ao seu lar
e ordenado à cozinha
e impôs a trabalhar
a razão que sempre tinha
Trabalho não só de parto
mas também de construção
para um filho crescer farto
para um filho crescer são
A posse vai-se acabar
no tempo da liberdade
o que importa é saber estar
juntos em pé de igualdade
Desde que as coisas se tornem
naquilo que a gente quer
é igual dizer meu homem
ou dizer minha mulher
José Carlos Ary dos Santos
1937 – 1984
O SOL É GRANDE
O sol é grande: caem coa calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que de alto cai acordar-me-ia,
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam de amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
também mudando-me eu, fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Francisco Sá de Miranda
1481 – 1558
MULHER TRANSMONTANA
A minha Mãe
e a todas as
mulheres transmontanas
Teu berço foi Trás-os-Montes,
Tua raça não engana!…
Aonde quer que te encontres
Dás sinais de transmontana!
Trazes no sangue a correr
Rios de sol e pujança!…
E tens nos olhos a arder
A chama viva da esp’rança!
Mulher e mãe-heroína,
Sem medalhas nem louvores!…
O teu exemplo ilumina
– P’la raíz das tuas dores!…
Gerou-te o frio e o calor
Em extremos de amargura!…
A terra te exige amor
– Quer na fome ou na fartura!
Teu rosto cheio de rugas
E as tuas mãos calejadas!…
Mostram a luta, sem fugas,
Dos serões e madrugadas!…
A neve e o sol te queimaram
Em gelras de vida amarga!…
Maus tempos te fustigaram:
– Mulher-carne, mulher-fraga!
Teu berço foi Trás-os-Montes,
Tua raça não engana!…
Aonde quer que te encontres
Não negas que és transmontana!
Belver – Carrazeda de Ansiães
Agosto de 1982
In “O Grito das Fragas” – Julho 1983
Edição do Grupo de Acção Recreativa
e Cultural Semente Nova (GARC)
Castro Reis
1918 – 2007
O CERCADO
De que cor era o meu cinto de missangas, mãe
feito pelas tuas mãos
e fios do teu cabelo
cortado na lua cheia
guardado do cacimbo
no cesto trançado das coisas da avó
Onde está a panela do provérbio, mãe
a das três pernas
e asa partida
que me deste antes das chuvas grandes
no dia do noivado
De que cor era a minha voz, mãe
quando anunciava a manhã junto à cascata
e descia devagarinho pelos dias
Onde está o tempo prometido p'ra viver, mãe
se tudo se guarda e recolhe no tempo da espera
p'ra lá do cercado
In "Dizes-me coisas amargas como os frutos"
Editorial Caminho – 2001
Ana Paula Ribeiro Tavares
(Poetisa Angolana)
N. 1952
TRÁS-OS-MONTES
Trás-os-Montes é, sem dúvida,
A terra dos meus encantos,
Tem gente humilde, mas boa
Que labuta pelos campos.
Tem fragas, urzes, estevas
Tem um cheiro agreste, são.
Mas pelo Maio essas terras
Mostram florido o seu pão
Tem montes, terras, escarpas
Tem colinas mais suaves,
Tem vinhas que penduradas,
Nos dão saborosos cachos.
Tem presunto, salpicão
Tem alheiras e castanhas
Tem centeio, tem o Marão
Tem noites lindas, tamanhas!…
In “Revista Unearta”
Ano 1 – Número 1 – Janeiro 2002
Manuel Amendoeira
N. 1940
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