MANSIDÃO
Quando me chamam, vou logo.
E não reajo. Disfarço.
E a cada ultraje, renasço
com as artérias em fogo.
Não falo do meu espanto.
Quando recuso, não digo.
(Conservo as vozes comigo
a elaborar o meu canto).
E com maneiras discretas,
vou criando o movimento
que hei-de entregar, a seu tempo,
às minhas asas quietas.
In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"
Fasc. 14 de 31 Out. 1952
Fernanda Botelho
1926 – 2007
OUTRAS CONFISSÕES
Narciso se despe, é noite, estão ladrando os cães
Os cães provavelmente ladrarão inteiramente a noite
Enquanto a lua cheia obtura os dentes podres das canções
Um traficante boliviano
Diz alô de Amsterdão
Um fracassado governante
Diz alô num telegrama
Tudo é ópio, para um ex-marxista
Para um ex-espiritualista, tudo é transe.
Tudo é provisoriamente eterno para os poetas
Tudo é eternamente provisório para os amantes
E o poema apenas a configuração do instante
In “Confissões de Narciso”
Civilização Brasileira – 1995 – RJ
José Carlos Capinan
(Poeta Brasileiro)
N. 1941
AO SOL-POR
Eu canto no crepúsculo... A Tristeza
recorda-me longínqua aspiração,
na qual pressinto a imagem da beleza
que os meus olhos, um dia, alcançarão...
A paisagem, na sombra, sonha e reza...
Seu vulto é de fantástica visão.
Dir-se-á que a empedernida Natureza
tem lágrimas a arder o coração.
E canto a minha mágoa; vou cantando...
E vou, saudoso e pálido, ficando
mais distante de mim, mais para além...
Nesta melancolia, que é chorar
sem lágrimas, eu vivo a meditar
no que me prende... a terra, o céu, alguém?
Teixeira de Pascoaes
(Pseudónimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos)
1877 – 1952
CANTIGA
Descalça vai para a fonte,
Leonor pela verdura;
Vai formosa, e não segura.
A talha leva pedrada,
Pucarinho de feição,
Saia de cor de limão,
Beatilha soqueixada;
Cantando de madrugada
Pisa as flores na verdura:
Vai formosa, e não segura.
Leva na mão a rodilha,
Feita da sua toalha;
Com uma sustenta a talha,
Ergue com outra a fraldilha;
Mostra os pés por maravilha,
Que a neve deixam escura:
Vai formosa, e não segura.
As flores, por onde passa,
Se o pé lhe acerta de pôr,
Ficam de inveja sem cor,
E de vergonha com graça;
Qualquer pegada que faça
Faz florescer a verdura:
Vai formosa, e não segura.
Não na ver o Sol lhe val
Por não ter novo inimigo,
Mas ela corre perigo
Se na fonte se vê tal;
Descuidada deste mal
Se vai ver na fonte pura:
Vai formosa, e não segura.
Francisco Rodrigues Lobo
1580 – 1622
PÓSTUMA
Noite fechada, lúgubre, sombria.
Céu escuro, tristíssimo, nevoento,
Relâmpagos, trovões, água, invernia
E vento e chuva, e chuva e muito vento!
Abro um pouco a janela, húmida e fria;
Quedo a ver e a escutar, por um momento
O rugido feroz da ventania
E o rasgar dos fuzis no firmamento.
Quero vê-la no céu... e o céu escuro!
E, sem temer que chova e o vento açoite,
Abro mais a janela... abro, e murmuro:
Ah! Talvez acalmasse o meu tormento,
– Se eu pudesse chorar, como esta noite!
– Se eu pudesse gemer, corno este vento!
Raul Machado
1891 – 1954
(Poeta Brasileiro)
A VIDA
A vida!…
É bela, dizem os poetas,
É complexa dizem os filósofos,
É um paradoxo dizem os escritores…
Amor, só amor dizem os românticos.
É tristeza, dizem os tristes e os infelizes.
Amargura, afirmam os amargurados.
É solidão dizem os solitários.
Porém tudo é vida.,
Que vale a pena ser vivida,
Boa ou má, mas bem vivida.
Mesmo que seja contraditória,
Tristeza, solidão, amargura,
Complexidade, paradoxos, alegrias,
Tudo o mais…
Porque afinal,
Tudo é vida…
O bom, o incerto e, até o mal…
In “Revista Unearta”
Ano 1 – N.º 1 – Janeiro 2002
Adelaide Vicente
. Mais poesia em
. Eu li...
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