PARTIR…
Quem me dera partir, correr o mundo…
Por entre montes andar desconhecido
Olhando os horizontes, esquecido
Da mágoa, sem razão, em que me afundo!
Viver alegre, a luz do sol fecundo
O sonho que em teus olhos foi bebido…
Mas, se a par nós tivéssemos partido,
P’ra não sentir saudades um segundo
Nem pensar encontrar-te no regresso…
Ter ao lado o carinho que te peço
E em cântico me torna o meu pesar…
Fugir de mim, do triste cativeiro
E ir contigo, encantado caminheiro,
Com desejo de nunca mais voltar…
In “A Ternura Que Me Deste”
Livraria Figueirinhas – Porto – 1945
Elísio de Vasconcelos
1907 -1965
ENSINAMENTO
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo
Adélia Prado
N. 1935
(Poetisa Brasileira)
MIL ANOS HÁ
Mil anos há que busco a minha estrela
E os Fados dizem que ma têm guardada;
Levantei-me de noite e madrugada,
Por mais que madruguei, não pude vê-la.
Já não espero haver alcance dela
Senão depois da vida rematada,
Que deve estar nos céus tão remontada
Que só lá poderei gozá-la e tê-la.
Pensamentos, desejos, esperança,
Não vos canseis em vão, não movais guerra,
Façamos entre os mais üa mudança:
Para me procurar vida segura
Deixemos tudo aquilo que há na terra,
Vamos para onde temos a ventura.
In “Fénix Renascida, I”
Francisco Rodrigues Lobo
1580 (?) – 1622(?)
PERSCRUTO O INFINITO
Perscruto o infinito noite e dia
Atento, vigilante, a toda a hora,
E no meu perscrutar sempre me aflora
A preclara visão que dantes via.
Naquela idade em flor não entendia…
Julgava que era assim o alvor da aurora!
O tempo foi correndo… e, só agora,
Denoto que a inocência me mentia.
Hoje, porém, adulto e já maduro,
Persiste a mesma angélica Visão
Na mais sublime e cândida evidência!
Apesar, muito embora, inda procuro
O que afinal se mostra da amplidão,
Fingindo que não passa de aparência.
Balsamão, 15/08/80
In “Revista Unearte”
N.° 1 - Ano 1 - Janeiro 2002
Cláudio Carneiro
MAR BRAVO
Mar que ouvi sempre cantar murmúrios
Na doce queixa das elegias,
Como se fosses, nas tardes frias
De tons purpúreos,
A voz das minhas melancolias.
Com que delícia neste infortúnio,
Com que selvagem, profundo gozo,
Hoje te vejo bater raivoso,
Na maré-cheia de novilúnio,
Mar rumoroso!
Com que amargura mordes a areia,
Cuspindo a baba da acre salsugem,
No torvelinho de ondas que rugem
Na maré-cheia,
Mar de sargaços e de amarugem!
As minhas cóleras homicidas,
Meus velhos ódios de iconoclasta,
Quedam-se absortos diante da vasta,
Pérfida vaga que tudo arrasta,
Mar que intimidas!
Em tuas ondas precipitadas,
Onde flamejam lampejos ruivos,
Gemem sereias despedaçadas,
Em longos uivos
Multiplicados pelas quebradas.
Mar que arremetes, mas que não cansas,
Mar de blasfémias e de vinganças,
Como te invejo! Dentro em meu peito
Eu trago um pântano insatisfeito
De corrompidas desesperanças!...
In “Antologia Poética”
Edição do Autor – 4.ª Edição
Manuel Bandeira
1886 – 1968
(Poeta Brasileiro)
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