ROSA – LYRA
O eterno feminino attrahe-nos para o céo.
(Geote – 2.ª parte do «Faust»)
Nelumbo cor de rosa á flor das águas,
Diademado de sol, erguendo a face:
Extasiado, o Poeta, longe as maguas
Na graça do teu corpo os olhos pasce…
Feliz de quem, do amor na apotheose,
O nectar do teu calix ébrio gose!
Rosa de carne como um luar de rosa,
Ou rosa de luar em carne feita:
É uma volupia estranha e capitosa
Essa fragancia que o teu corpo deita:
Feliz de quem o teu perfume aspira
E de aspira-lo em extasis delira!
O collo em lyra, dois rubis ao alto:
Em lyra as ancas, uma rosa ao centro:
Dupla lyra de prata: e em sobressalto
Um par de rolas a gemer lá dentro.
Feliz de quem as tuas cordas vibra
E aos teus accordes para os ceus se libra!
Lyra que mesmo adormecida canta
Em voz de sonho uma canção de lenda:
Rosa que mesmo assim fechada encanta
E a alma prende antes que os olhos prenda!
Feliz, ah! bem feliz de quem, ó rosa,
Com o teu o meu halito desposa|
E feliz, mais feliz de quem, ó lyra,
Rima os seus ais co’os teus, quando suspira!
1904
In Revista “A Águia”
N.º 2 – 1ª Série – Ano I – 15 de Dezembro de 1910
Carlos de Lemos
MANTEM A GRAFIA ORIGINAL
CANÇÃO DA CHUVA
Bate a chuva, tic... tic...
Nas vidraças da janela.
Canta a chuva, tic... tic...
Que linda canção aquela!
Tic... tic... tic... tic...
Que linda canção aquela
De meninas ao despique:
- Qual de nós será mais bela?
Meninas a fazer meia
Com as nuvens de novelo,
Nenhuma delas é feia!
Tic... tic... tic... tic...
Tenho um medo que me pelo,
Que alguma delas me pique.
In “Poesia para a Infância”
Colectânea de Alice Gomes
Editora Ulisseia
António de Sousa
1898 – 1981
JOANINHA
Descanse de quando em quando…
Passar assim toda a tarde
Sempre bordando, bordando,
Sem que um momento desista,
Até faz pena! Não lhe arde
Nem se lhe perturba a vista?…
Descanse de quando em quando…
Erga os olhos do bordado
E veja quem vai passando.
O trabalho alegra a gente,
Mas assim, tão aturado,
- Não lhe faz bem, certamente;
Erga a carinha tranquila,
Erga esse rosto tão lindo
E veja os moços da vila
A passarem por aqui,
Uns descendo, outros subindo.
- E todos de olhos em si…
Descanse de quando em quando
E veja se escolhe algum;
Já é tempo de ir pensando
Em casar. Não é assim?…
Se não lhe agrada nenhum,
- Diga se gosta de mim.
Desde os começos do Outono
Que eu a trago no sentido,
Não como, não tenho sono,
Tudo me dá ralação.
Quer-me para seu marido?
- Diga que sim ou que não…
In “Luar de Janeiro”
Estante Editora
Augusto Gil
1873 – 1929
A DEFESA DO POETA
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos felizes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em criança que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e Sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante minha defesa
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde o possa escrever
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer.
In “Poemas a Rebate”
Publicações Dom Quixote
Natália Correia
1923 – 1993
CANÇÃO
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
“Viagem”
In “Ler Por Gosto”
Areal Editores
Cecília Meireles
1901 – 1964
(Poetisa Brasileira)
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