Sexta-feira, 27 de Maio de 2011

Eu li... Vitorino Nemésio

VIOLADA

 

Possuíram-te nas ervas,
Deitada ao comprido
Ou lívida a pé:
Do estupro conservas
O sangue e o gemido
Na morte da fé.

Chegaste a cavalo
Trémula de espanto:
Esperavas levá-lo
Com modos de amor:
O fátum, num canto,
Violento ceifou-te
O púbis em flor:
Dou-te
O acalanto
Mas não há palavras
Para tal horror!

Vem ainda em cós, mulher,
Limpa as tuas lágrimas no meu lenço:
Nem pela dor sequer
Eu te pertenço.

O cavalo fugiu,
Deixou-te em fogo a fralda:
Que malfeliz Roldão
Para tal Alda!
Ao frio, ao frio,
Tinta de ti é a água e sangue o chão.

Ponta Delgada a arder
Do próprio pejo, quis
Em verde converter
O incêndio do teu púbis.

Mulher, não me dês guerra,
Oh trágica enganada:
Tu és a minha terra
Na carne devastada
Como a Ilha queimada.

 

In "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"

Imprensa Nacional Casa da Moeda

 

Vitorino Nemésio

1901 – 1978

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Sábado, 21 de Maio de 2011

Eu li... Júlio Dinis

MORENA

 

Morena, morena
Dos olhos castanhos,
Quem te deu morena,
Encantos tamanhos?

 

Encantos tamanhos

Não vi nunca assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.

 

Morena, morena
Dos olhos rasgados,
Teus olhos, morena,
São os meus pecados.

 

São os meus pecados

Uns olhos assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.

 

Morena, morena

Dos olhos galantes,

Teus olhos morena
São dois diamantes.

 

São dois diamantes

Olhando-me assim.

Morena, morena

Tem pena de mim.

 

Morena, morena
Dos olhos morenos,
O olhar desses olhos
Concede-me ao menos.

 

Concede-me ao menos

Não sejas assim.

Morena, morena
Tem pena de mim.



In “As Pupilas do Sr. Reitor”

Ed. do Círculo de Leitores

 

Júlio Dinis

(pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho)

1839 – 1871

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Domingo, 15 de Maio de 2011

Eu li... Agostinho de Mello Júnior

CANÇÃO DO PASTOR

 

Deus fala comigo a horas mortas

Não quer olhar o vulto impuro de ninguém

Por isso, vem

Quando se fecham as portas

Os ralos cantam nas hortas

E se espalha a noite pela serra além

 

Desgarrado, numa corte ao lado

Um bezerro berra

Se à tona da terra acaso andar alguém

Quando se abre ao silêncio a solidão da serra

E quando tudo mais iníquo encerra

Então Deus não vem...

 

Dorme a vida no seio da noite

Como um menino no colo da mãe

 

Espero-o só, além dos povoados

Nas charnecas e montados

Num cenário espectral de silêncios e de enredo

 

Deus vem!... Mas não diz nenhum segredo

 

Pela noite fora, pelo céu além

Vai de mim luminoso para os astros

Num esplendor de sideral fulguração

Tal era tal fiquei

Lameiros pastos, o gado, a terra, o húmus, a germinação

Ah, que Deus engana e desengana.

 

O tudo transformado em seiva e em chão!

 

Serena etérea vida além da Vida!...

Não durmas, coração.

 

 

 

In “Jornal dos Poetas & Trovadores”

Ano XIX 3ª Série n.º 10

Maio/Junho de 1999

 

Agostinho de Mello Júnior

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Segunda-feira, 9 de Maio de 2011

Eu li... Ana Mafalda Leite

CAIXINHA DE MÚSICA

 

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de
cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos
laços
abraços fitas ou fios transparentes

 

em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhada em véus de seda e brocado

 

encantada a serpente a flauta o mago
senhor toca
e quando me toca
o corpo eu abro

 

caixinha de música
dentro
com bailarina que dança

 

 

In “Rosas da China”

Quetzal Editores

  

Ana Mafalda Leite

(Poetisa Luso-Moçambicana)

N. 195?

 

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Terça-feira, 3 de Maio de 2011

Eu li... António Gedeão

CALÇADA DE CARRICHE

 

Luísa sobe,

sobe a calçada,

sobe e não pode

que vai cansada.

Sobe, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe

sobe a calçada.

 

Saiu de casa

de madrugada;

regressa a casa

é já noite fechada.

Na mão grosseira,

de pele queimada,

leva a lancheira

desengonçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

 

Luísa é nova,

desenxovalhada,

tem perna gorda,

bem torneada.

Ferve-lhe o sangue

de afogueada;

saltam-lhe os peitos

na caminhada.

Anda, Luísa.

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

 

Passam magalas,

rapaziada,

palpam-lhe as coxas

não dá por nada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

 

Chegou a casa

não disse nada.

Pegou na filha,

deu-lhe a mamada;

bebeu a sopa

numa golada;

lavou a loiça,

varreu a escada;

deu jeito à casa

desarranjada;

coseu a roupa

já remendada;

despiu-se à pressa,

desinteressada;

caiu na cama

de uma assentada;

chegou o homem,

viu-a deitada;

serviu-se dela,

não deu por nada.

Anda, Luísa.

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

 

Na manhã débil,

sem alvorada,

salta da cama,

desembestada;

puxa da filha,

dá-lhe a mamada;

veste-se à pressa,

desengonçada;

anda, ciranda,

desaustinada;

range o soalho

a cada passada,

salta para a rua,

corre açodada,

galga o passeio,

desce o passeio,

desce a calçada,

chega à oficina

à hora marcada,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga;

toca a sineta

na hora aprazada,

corre à cantina,

volta à toada,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga,

puxa que puxa,

larga que larga.

Regressa a casa

é já noite fechada.

Luísa arqueja

pela calçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada,

sobe que sobe,

sobe a calçada,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

Anda, Luísa,

Luísa, sobe,

sobe que sobe,

sobe a calçada.

 

 

In “Teatro do Mundo” – 1958

 

António Gedeão

(pseudónimo de Rómulo Vasco da Gama de Carvalho)

1906 – 1997

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