AS ALDEIAS
Eu gosto das aldeias sossegadas,
com seu aspecto calmo e pastoril,
erguidas nas colinas azuladas,
mais frescas que as manhãs finas de Abril.
Pelas tardes das eiras, como eu gosto
de sentir a sua vida activa e sã!
Vê-las na luz dolente do sol-posto,
e nas suaves tintas da manhã!...
As crianças do campo, ao amoroso
calor do dia, folgam seminuas,
e exala-se um sabor misterioso
da agreste solidão das suas ruas.
Alegram as paisagens as crianças
mais cheias de murmúrios de que um ninho;
e elevam-nos às coisas simples, mansas,
ao fundo, as brancas velas dum moinho.
Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos
zunirem suas notas sibilantes...
E mistura-se o uivar dos cães distantes
com o cântico metálico dos galos.
In “Claridades do Sul”
Gomes Leal
1848 – 1921
SE OS POETAS DESSEM AS MÃOS
Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia,
cairiam as grades das prisões
que nos tolhem os passos,
os arames farpados
que nos rasgam os sonhos,
os muros de silêncio,
as muralhas da cólera e do ódio,
as barreiras do medo,
e o Dia, como um pássaro liberto,
desdobraria enfim as asas
sobre a Noite dos homens.
Se os Poetas dessem as mãos
e fechassem o Mundo
no grande abraço da Poesia.
In "Ronda das Horas Lentas"
Fernanda de Castro
1900 – 1994
A MOÇA E A VELHA
«– Você, oh tia Maria,
Está velha como um caco,
Nem pode sair de dia
Mais feia do que um macaco!
Já não faz meia, nem fia!
Toda vestida de trapos,
Quase cega, manca e surda,
Ninguém lhe inveja a existência,
Causa nojo aos próprios sapos,
E já não vive, chafurda
Nas vasas da decadência,
Como diz o nosso abade.»
Disse-lhe a velha, serena:
«– Já fui isso que tu és,
E na minha mocidade
Dançava, e até com graça;
Chamou-me um vate açucena,
E vi muitos a meus pés
Cá na aldeia, e na cidade,
Mas na vida tudo passa.»
«Sim, pareço-te uma bruxa,
E não sei que mais, um grou;
A minha perna estrebucha,
E provoco a hilaridade,
Mas, ouve isto que te digo:
Talvez, para teu castigo,
Não chegues à minha idade,
Nem a ser isto que sou!»
In “Últimas Rimas”
A Renascença Portuguesa - Porto
João Penha
1838 – 1919
A MORTE
A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te oiço a passada
Existir como eu existo.
A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu
Tudo é verdade e caminho.
Cancioneiro
In “Fernando Pessoa – Antologia Poética” – 3ª. Edição
Biblioteca Ulisses de Autores Portugueses
Editora Ulisses
Fernando Pessoa
1888 – 1935
IMAGEM
No firme azul do desdobrado céu
decantarei a mínima magia
das sensações mais puras, melodia
da minha infância, onde era apenas Eu.
Da realidade nua desce um véu
que, já sem mar, apenas maresia,
me vem tecer aquela chuva fria
que prende esta janela ao claro céu.
Despido o ouropel desvalioso,
já não apenas servo, mas Rei
da luz da minha lâmpada romeira,
assim procuro o centro misterioso
do mundo que hoje habito, onde serei
concêntrica expressão da vida inteira.
In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"
Fundação Calouste Gulbenkian
Boletim Cultural – Série VI – n.º 11 – Outubro.1988
Alberto de Lacerda
1928 – 2007
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