TRISTEZA DO INFINITO
Anda em mim, soturnamente,
uma tristeza ociosa,
sem objetivo, latente,
vaga, indecisa, medrosa.
Como ave torva e sem rumo,
ondula, vagueia, oscila
e sobe em nuvens de fumo
e na minh'alma se asila.
Uma tristeza que eu, mudo,
fico nela meditando
e meditando, por tudo
e em toda a parte sonhando.
Tristeza de não sei donde,
de não sei quando nem como...
flor mortal, que dentro esconde
sementes de um mago pomo.
Dessas tristezas incertas,
esparsas, indefinidas...
como almas vagas, desertas
no rumo eterno das vidas.
Tristeza sem causa forte,
diversa de outras tristezas,
nem da vida nem da morte
gerada nas correntezas...
Tristeza de outros espaços,
de outros céus, de outras esferas,
de outros límpidos abraços,
de outras castas primaveras.
Dessas tristezas que vagam
com volúpias tão sombrias
que as nossas almas alagam
de estranhas melancolias.
Dessas tristezas sem fundo,
sem origens prolongadas,
sem saudades deste mundo,
sem noites, sem alvoradas.
Que principiam no sonho
e acabam na Realidade,
através do mar tristonho
desta absurda Imensidade.
Certa tristeza indizível,
abstrata, como se fosse
a grande alma do Sensível
magoada, mística, doce.
Ah! tristeza imponderável,
abismo, mistério, aflito,
torturante, formidável...
ah! tristeza do Infinito!
João Cruz e Sousa
(Poeta brasileiro alcunhado Dante Negro e Cisne Negro)
1861 — 1898
Gentilmente remetido por minha amiga Therezinha de Souza
A NOITE NOS ACENDE MOVIMENTOS
A noite nos acende movimentos
luminosos. E ampla se diria
ou paz, se não mover-nos
abrisse dentro da brisa.
Mas mesmo que o silêncio
nos alongue a memória e as axilas
respirem o que vemos,
a custo vemos crescerem às pupilas
os vasos de irem vendo
a inclinação das coisas esquecidas.
In “Sobre as Horas” – 1963
Fernando Echevarría
N. 1929
OS SONHOS DO NÃO VIVER
O poeta não é um fingidor,
Mas é sempre um sonhador…
Por vezes, sonha demais,
E ao sonhar, vem a sofrer
De não ser compreendido,
De ser mal interpretado,
Pois sempre que alto sonha,
Há sempre um pensamento errado.
Mas os sonhos são só nossos,
E por vezes mal sonhados…
Nunca os sonhos têm vida…
Quase sempre reprimidos,
E quase sempre se sonha,
Com um Mundo de mudança,
Mas sempre ao despertar,
É que se vê o falhanço,
Em que estamos convertidos,
Neste Mundo corrompido,
Mas, vou continuar a sonhar,
Ainda que incompreendida,
Pois é quase sempre a sonhar,
Que se vive, o que se queria,
E se não vive na vida…
In “Revista Unearta”
Ano 2 – n.º 13 – Janeiro.2003
Adelaide Vicente
INFÂNCIA
as crianças brincam na praia dos seus pensamentos
e banham-se no mar dos seus longos sonhos
a praia e o mar das crianças não têm fronteiras
e por isso todas as praias são iluminadas
e todos os mares têm manchas verdes
mas muitas vezes as crianças crescem
sem voltar à praia e sem voltar ao mar
In “Tempo Teimoso” – 1974
Fernando Sylvan
(Pseudónimo de Abílio Leopoldo Motta-Ferreira – Poeta timorense)
1917 – 1993
VINHO DO PORTO
É um vinho bem tratado
Do Porto como é chamado
E da Régua natural.
Por mais que o queiram imitar
Não conseguem apagar
A sua fama mundial.
Néctar espirituoso
Alegre e “generoso”
Que deus Baco abençoou.
Líquido envelhecido
Por todos apetecido
Que o mundo destacou.
Entra em casa d’um pobre
Ou em qualquer salão nobre
Com a mesma dignidade.
Esteja bem ou mal trajado
Ele entra em qualquer lado
Sem vergonha da sua idade.
Se já for muito velhinho
É bebido com carinho
E tratado por alteza.
Qualquer lar português
Sente orgulho e altivez
De ter Porto à sua mesa.
In “Jóia de Granito”
Edição do Autor
A. Fernando Alves
ORAÇÃO NATURAL
Fique atento
ao ritmo,
aos movimentos
do peixe no anzol.
Fique atento
às falas
das pessoas
que só dizem
o necessário.
Fique atento
aos sulcos
de sal
de sua face.
Fique atento
aos frutos tardios
que pendem
da memória.
Fique atento
às raízes
que se trançam
em seu coração.
Fique atento.
A atenção
é sua forma natural
de oração.
In ”Ruminações”
Nankin Editorial
Donizete Galvão
(Poeta e jornalista Brasileiro)
N. 1955
SONETO I
Quem de meus versos a lição procura,
Os farpões nunca vio de Amor insano,
Nem sabe quanto custa hum vil engano
Traçado pela mão da Formosura.
Se o peito não tiver de rocha dura,
Fuja de ouvir contar tamanho dano,
Que a desabrida voz do Desengano
O mais firme semblante desfigura.
Olhe, que há-de chorar, vendo patente
Em tão funesta, e lacrimosa cena
O cadafalso infame, e sanguinoso.
Verá levado á morte hum inocente:
E condenado á vergonhosa pena
O mais fiel amor, mais generoso.
Tomo I
In “Obras Poéticas de Pedro António Correia Garção”
Correia Garção
1724 – 1772
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