Quarta-feira, 30 de Junho de 2010

Eu li... Fernanda Botelho

CANTAR DE AMIGO

Bailada, bailia
que eu já sei bailar.
E agora só queria
aprender a amar.

Ao entrar na roda,
soltou-se-me a liga.
E agora há quem diga
que não foi na roda.

Bailada, bailia
que eu já sei bailar.
E agora só queria,
mas não posso, amar.

 

 

In “As Folhas de Poesia Távola Redonda"

Fundação Calouste Gulbenkian

Boletim Cultural – Série VI – n.º 11 – Outubro de 1988

 

Fernanda Botelho

1926 – 2007

 

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Sábado, 26 de Junho de 2010

Eu li... Eduardo Carranza

TEMA DE FOGO E MAR

Só o fogo e o mar podem olhar-se
sem fim. Nem sequer o céu com a s suas nuvens.
Só o teu rosto, só o mar e o fogo.
As chamas, e as ondas, e os teus olhos.

Serás de fogo e mar, olhos escuros.
De onda e chama serás, negros cabelos.
Conhecerás o desenlace da fogueira.
E saberás o segredo da espuma.

Coroada de azul como a onda.
Aguda e sideral como a chama.
Só o teu rosto interminavelmente.
Como o fogo e o mar. Como a morte


In “O Mar na Poesia da América Latina”

Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos

Tradução José Agostinho Batista

Assírio & Alvim

 

Eduardo Carranza
1913 – 1985

(Poeta Colombiano)

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Terça-feira, 22 de Junho de 2010

Eu li... Fátima Andersen

LIGEIRAMENTE, INSINUADA

 

Ligeiramente, insinuada,

corria a água, delgada,

às vezes parada,

e nas frestas esgueirada,

avançando, lambendo raízes e pedras,

mansa, e depois esperta,

como sem pressas,

colada e despercebida. 

Rodeando-me,

de charco e espelho me vestiu,

me afogou

apenas num dedo de fundo,

e me deixou depositado

na orla agreste do corpo. 

 

 

In "Partitura"

Edições Colibri – 1999

 

Fátima Andersen

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Sexta-feira, 18 de Junho de 2010

Eu li... Alfonsina Storni

DIANTE DO MAR

 

Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.

 

Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
“Piedade, piedade para o que mais ofenda”.

 

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

 

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

 

Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.

 

Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria…
Ah, eu sonhava ser como tu és.

 

Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todo;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.

 

Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!… Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

 

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!

 

Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança…
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.

 

 

In “O Mar na Poesia da América Latina”

Selecção dos textos Isabel Aguiar Barcelos

Tradução José Agostinho Batista

Assírio & Alvim

 

Alfonsina Storni

1892 – 1938

(Poetisa Argentina)

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Segunda-feira, 14 de Junho de 2010

Eu li... António Gedeão

ESTRELA DA MANHÃ

 

Numa qualquer manhã, um qualquer ser,

vindo de qualquer pai,

acorda e vai.

 

Vai.

 

Como se cumprisse um dever.

 

Nas incógnitas mãos transporta os nossos gestos;

nas inquietas pupilas fermenta o nosso olhar.

E em seu impessoal desejo latejam todos os restos

de quantos desejos ficaram antes por desejar.

 

Abre os olhos e vai.

 

Vai descobrir as velas dos moinhos

e as rodas que os eixos movem,

o tear que tece o linho,

a espuma roxa dos vinhos,

incêncio na face jovem.

 

Cego, vê, de olhos abertos.

Sozinho, a multidão vai com ele.

Bagas de instintos despertos

ressuma-lhe à flor da pele.

 

Vai, belo monstro.

Arranca

as florestas com os teus dentes.

Imprime na areia branca

teus voluntariosos pés incandescentes.

 

Vai

 

Segue o teu meridiano, esse,

o que divide ao meio teus hemisférios cerebrais;

o plano de barro que nunca endurece,

onde a memória da espécie

grava os sonos imortais.

 

Vai

 

Lábios húmidos do amor da manhã,

polpas de cereja.

Desdobra-te e beija

em ti mesmo a carne sã.

 

Vai

 

À tua cega passagem

a convulsão da folhagem

diz aos ecos

«tem que ser».

 

O mar que rola e se agita,

toda a música infinita,

tudo grita

«tem que ser».

 

Cerra os dentes, alma aflita.

Tudo grita

«Tem que ser».

 

 

In “Movimento Perpétuo”

Of. Atlântida – Coimbra  

 

António Gedeão

 

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Quinta-feira, 10 de Junho de 2010

Eu li... Luís de Camões

BUSQUE AMOR NOVAS ARTES

 

Busque Amor novas artes, novo engenho,
pera matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

 

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

 

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

 

Que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.

 

 

In “SE TUDO FOSSE IGUAL A TI” 

Poesia de Luís de Camões – 2007

Edição Alma Azul

 

Luís de Camões

 

 

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Domingo, 6 de Junho de 2010

Eu li... Rui Ribeiro Couto

A MENINA GORDA 

 

Esta menina gorda, gorda, gorda,
Tem um pequenino coração sentimental.
Seu rosto é redondo, redondo, redondo;
Toda ela é redonda, redonda, redonda,
E os olhinhos estão lá no fundo a brilhar.

É menina e moça. Terá quinze anos?
Umas velhas amigas de sua mamãe
Dizem sempre que a encontram, num êxtase longo:
“Como esta menina está gorda, bonita!”
“Como esta menina está gorda, bonita!”
E ela ri de prazer. Seu rosto redondo
Esconde os olhinhos no fundo, a brilhar.

Às vezes no quarto,
Diante do espelho;
Ao ver-se tão gorda, tão gorda, tão gorda,
Ela pensa nas velhas amigas de sua mamãe
E também num rapaz
Que a olha sorrindo,
Quando toda manhã ela vai para a escola:
“– Ele gosta de mim… Ele gosta de mim.
Eu sou gorda, bonita…”
E os dedos gordinhos pegando nas tranças
Têm carícias ingénuas
Diante do espelho.  

 

 

Rui Ribeiro Couto

1898 – 1963

(Jornalista, poeta e romancista brasileiro)

 

 

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