HOJE MESMO
Hoje deves cantar
Talvez a alegria te encurte o caminho.
Hoje deves comungar
Talvez tenhas um sonho a partilhar.
Hoje deves receber
Talvez o outro precise de amar.
Hoje deves caminhar
Talvez te encontres com alguém na vida.
Hoje deves sorrir
Talvez alguma flor esteja a precisar de sol.
Hoje deves começar
Talvez amanhã já seja tarde.
Hoje deves renascer
Talvez tenhas apenas nascido.
In “Deserto Sul”
Manuel Rito Dias
POEMA DA ÁGUA
A água também nasce pequenina
- nasce gota de orvalho ou de neblina...
A água também tem a sua infância
- quando apenas riacho cantarola
brinca de roda nos redemoinhos
salta os seixos que encontra
e faz apostas de corrida - travessa -
por entre as grotas e peraus
e arranca as flores que a marginam
para engrinaldar a cabeleira solta
sobre o leito revolto das areias...
A água também tem adolescência
- sonha lagos românticos à lua
fitando os astros namorados dela
embevecida em seus olhos de ouro...
e assim sempre amorosa e sonhadora
vai tecendo e bordando - dia e noite
o seu vestido de noiva nas montanhas
e o seu véu de noivado nas cascatas...
A água também tem maturidade
- fica serena e grave em rios fundos
e num destino generoso e amigo
espalha a vida que em si mesma encerra
semeia bênçãos para o grão de trigo
abre caminhos líquidos da terra
e enlaça os povos através dos mares...
A água também tem sua velhice
- e de ver-lhe os cabelos muitos brancos
onda lenta de espuma destrinçada em neve, nos ares flutuando...
A água também sofre...e quando sofre
se faz divina e vem brilhar em lágrimas
ou se reflecte a dor da natureza
geme no vento transformada em chuva.
A água também morre... e quando seca
- e a sua morte entristece tudo :
choram-lhe, enfim na desolação,
todos os seres vivos que a rodeiam
porque ela é o seio maternal da vida
e de tal maneira ama seus filhos rudes
que muitas vezes para os salvar se deixa
ficar sem o murmúrio de uma queixa
prisioneira de poços e açudes...
Bendita seja, pois, água divina
que fecunda, consola, dessedenta, purifica,
e que, desde pequenina,
feita gota de orvalho,
mata a sede das plantas entreabertas
e prepara o festivo esplendor da primavera...
e que, nascida em píncaros da serra
vem de tão alto, procurando sempre ter
um fim de planície e de humildade
até perder, na última renúncia,
o nome de baptismo de seus rios
para ficar anónima nos mares.
Raul Machado
1891 – 1954
(Jurista, ensaísta, escritor e poeta brasileiro)
NÉVOA
A montanha respira no silêncio;
beija o sol e amornece as rudes fragas;
manso, um véu de neblina está suspenso
sobre o vale e a azáfama das casas.
A minha alma chora na tristeza
dos pinhos quando a névoa molha a rama
e cai sobre a caruma que se acama
nos silêncios da Serra em macieza.
A luz do tempo, urdindo sua manta
de sombras, nos embala em fantasia
de ecos - tudo é memória de outra vida
em transparência pura que sonhamos.
Dói-me o que penso e o que penso é breve
e a dor prolonga a sua brevidade
é como haver a luz que não se teve
é como não ter tempo e ter idade.
(A LUZ E O BERÇO”, poemas de Natal e Serra)
1999
In Jornal “Poetas & Trovadores”
Ano XIX 3ª Série n.º 10
Maio/Junho de 1999
António Leitão
SONETO 92
Faz teu pior pra mim te afastares,
Enquanto eu viva tu és sempre meu,
Não há mais vida se tu não ficares,
Pois ela vive desse amor que é teu.
Por que hei de temer grande traição
Se tem fim minha vida com a menor;
De vida abençoada eu sou, então,
Por não estar preso ao teu cruel humor.
Tua mente inconstante não me afecta,
Minha vida é ligada à tua sorte;
Como é feliz o fato que decreta
Que sou feliz no amor, feliz na morte!
Porém que graça escapa de temer?
Podes ser falso e eu sequer saber.
In “Sonetos de William Shakespeare”
William Shakespeare
(Poeta Inglês)
BOAS NOITES COVEIRO
Boas noites coveiro: a tua enxada
Não cessa há tanto tempo de cavar?!
Cavaleiro da morte, ó fronte desolada
Não sentes a mão trémula e cansada
De tanto trabalhar!
Tu esperas hoje as legiões sombrias
De mortos, que eu suponho ao longe ver?
Os felizes caídos nas orgias
E os tristes que além todos os dias
O gelo vem colher?!
Que imensa vala aberta! são medonhos
Os risos d'essa boca infame, alvar!...
Descansa dos teus dias enfadonhos!
– Eu cavo a sepultura dos teus sonhos
Não posso descansar!
In “A Alma Nova”
I. N. – Casa da Moeda
Guilherme de Azevedo
QUANDO EU MORRER
Não quero! Tenho horror que a sepultura
mude em vermes meu corpo enregelado.
Se no fogo viveu minha alma pura,
quero, morto, meu corpo calcinado.
Depois de ser em cinzas transformado,
lancem-me ao vento, ao seio da natura...
Quero viver no espaço ilimitado,
no mar, na terra, na celeste altura.
E talvez no teu seio, ó virgem linda,
tão branco como o seio da virtude,
eu, feito em cinzas, me introduza ainda.
E no teu coração, pequeno e forte,
(ó gozo triste!) viva eu na morte,
já que na vida lá viver não pude!
Caetano da Costa Alegre
(Poeta de S. Tomé e Príncipe)
QUANDO FORES VELHA
Quando fores velha, grisalha e sonolenta
E te aqueceres à lareira, pega neste livro
E lê-o devagar, sonha com o olhar meigo
E com as sombras profundas outrora nos teus olhos;
Quantos amaram os teus momentos de feliz encanto
E a tua beleza com amor falso ou autêntico,
Além daquele homem que amou em ti a alma peregrina
E as tristezas que alteravam o teu rosto;
E curvando-te mais sobre a lareira ao rubro
Murmura, um pouco triste, como o Amor se foi
E caminhou sobre as montanhas lá no alto
E escondeu o rosto numa imensidão de estrelas.
In “Poemas de Amor”
Versões Ana Leal
Edição Alma Azul
William Butler Yeats
(Poeta Irlandês)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...