CATRAIA DO PORTO
Essa linda florista do Mercado do Bolhão
A catraia mais trocista que prendeu meu coração
Fontaínhas, a Ribeira e o Bonfim eram só dela
Tinha a graça e a maneira de andorinha tagarela
Catraia bonita, de blusa de chita, saiote de lã
Dois olhos, dois sonhos e uns lábios risonhos da cor de romã
Visão que enternece e o Porto conhece de vê-la passar
Perfil agareno do lírio moreno aberto ao luar
Desde a Praça da Batalha 'té à Serra do Pilar
Queimam sonhos na fornalha dos seus olhos de encantar
E da Foz à velha Sé as areias do caminho
Sob o rasto do seu pé dizia muito baixinho
Catraia bonita, de blusa de chita, saiote de lã
Dois olhos, dois sonhos e uns lábios risonhos da cor de romã
Visão que enternece e o Porto conhece de vê-la passar
Perfil agareno do lírio moreno aberto ao luar
In “Colectânea Caravela – Alberto Ribeiro” – 1996
Fernando Carvalho
CADA COISA
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.
À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,
E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —
Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem
Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.
E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos
Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.
In “Odes de Ricardo Rei”
Ricardo Reis/Fernando Pessoa
1887 – 1935
MINHA MENINA SE FOI AO MAR
Minha menina se foi ao mar
a contar ondas e pedrinhas,
porém se encontrou, de pronto,
com o rio de Sevilha.
Entre adelfas e sinos
cinco barcos se mexiam,
com os remos na água
e as velas na brisa.
Quem olha dentro a torre
adornada de Sevilha?
Cinco vozes contestavam
redondas como anéis.
O céu monta elegante
ao rio, de margem a margem.
No ar cor-de-rosa,
cinco anéis se mexiam.
In "Canciones” 1921-1924.
Federico Garcia Lorca
(Poeta Espanhol)
VELHO TEMA
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Vicente de Carvalho
OH FILHA DE ZEUS
Oh filha de Zeus, imortal Afrodite,
tu que tanto engano teces, em teu trono
cintilante, não sujeites meu coração
a dor tão grande!
Vem, vem como quando um dia ao longe
a voz me ouviste, as súplicas me escutaste,
e a casa de teu pai abandonando
até mim vieste,
em teu carro de oiro. Belas, velozes aves
do alto Céu à Terra escura te trouxeram
em numeroso e denso agitar de asas
através do ar.
Depressa aqui chegaram, e tu, divina,
um sorriso abrindo no rosto imortal,
perguntaste que sofrimento era o meu
para assim clamar,
e que queria meu louco coração ainda.
«Quem queres tu que persuada agora
ao teu amor? De quem te queixas, Safo?
Quem te atormenta?
Se ela te foge, seguir-te-á não tarda;
se o que lhe dás recusa, em breve será ela
a dar; se te não ama, sem o que deseje,
virá a amar-te
Oh vem, vem agora e liberta-me desta
angústia mortal! O que meu coração
tanto deseja, faz que aconteça. Vem,
ajuda-me a lutar!
Safo
(Poetisa Grega do século VII a.C.)
(tradução de Eugénio de Andrade)
POEMA DE QUEM FICOU
Eu não te quero mal
por esse orgulho que tu trazes;
por esse teu ar de triunfo iluminado
com que voltas…
… O mundo não é maior
que a pupila dos teus olhos:
tem a grandeza
da tua inquietação e das tuas revoltas.
… Que teu irmão que ficou
sonhou coisas maiores ainda,
mais belas que aquelas que conheceste…
Crispou as mãos à beira do mar
e teve saudades estranhas, de terras estranhas,
com bosques, com rios, com outras montanhas
– bosques de névoa, rios de prata, montanhas de oiro–
que nunca viram teus olhos
no mundo que percorreste…
In “Antologia Temática de Poesia Africana I”
Editora Sá da Costa
Manuel Lopes
(Poeta Cabo-Verdiano)
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