ROSAS
Rosas que já vos fostes, desfolhadas
por mãos também que já foram, rosas
suaves e tristes! Rosas que as amadas,
mortas também, beijaram suspirosas...
Umas rubras e vãs, outras fanadas,
mas cheias do calor das amorosas...
Sois aroma de almofadas silenciosas,
onde dormiram tranças destrançadas.
Umas brancas, da cor das pobres freiras,
outras cheias de viço de frescura,
rosas primeiras, rosas derradeiras!
Ai! Quem melhor que vós, se a dor perdura,
para coroar-me, rosas passageiras,
o sonho que se esvai na desventura?
Alphonsus de Guimarães
(Poeta Brasileiro)
UM MAR CÁ DENTRO...
Sabe-me a boca a sal. O meu menino
Há tanto que partiu e mesmo agora
Existe, em mim, um mar que quando chora
Se veste todo dum azul divino...
Nunca mais voltará, o pequenino,
Foi para o céu azul aonde mora
E eu não sei quando virá a hora
De poder partilhar o seu destino...
Sabe-me a boca a sal. Talvez do mar...
Talvez cá dentro o sangue tenha sal,
Por isso eu tenho a boca assim salgada…
E chora, cá por dentro, e quer calar...
(mas tanto mar cá dentro faz-me mal)
Sabe-me a boca a sal e estou calada!
In “Poeta Porque Deus Quer”
Autores Editora
Maria João Brito de Sousa
ONDE ANDA IOLANDA
Onde anda Iolanda,
que entortou a minha vida
que quebrou meu violão
que escondeu minha bebida
que jurou botar veneno
no meu prato de comida.
Iolanda tem defeitos
mas respeita minha dor
fez um livro de receitas
Pra eu ser trabalhador
gosta de me dar conselhos
mas meu samba não suporta
Ah… Meu Deus, que a conserve
Bem longe da minha porta.
Onde anda Iolanda
quero só saber com quem
Deus a guarde e tenha sorte
de não ser com um joão-ninguém.
Eu embora não suporte
tanta briga, tanta dor
tomara que tenha sorte
tomara que tenha amor.
In “Empório Brasil” – S. Paulo – 1988
Editora Clube do Livro/Melhoramentos
Rolando Boldrin
(cantor, actor e apresentador
de televisão brasileiro)
POEMA DA MALTA DAS NAUS
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo,
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.
In “Poesias Completas”
António Gedeão
BARTOLOMEU MARINHEIRO
Era uma vez
um capitão português
chamado Bartolomeu
que venceu
um gigante enorme e antigo.
Bartolomeu, em menino
pequenino,
ia para o pé do mar...
e ficava a olhar
o mar...
E Bartolomeu cismava...
Ó que lindo, ó que lindo,
o mar, e a sua voz profunda e bela!
Uma nuvem no céu, era uma caravela
que novos céus andava descobrindo...
Ó que lindo, os navios,
que vão suspensos entre a água e o céu,
com velas brancas e mastros esguios,
e com bandeiras de todas as cores!
Bartolomeu cismava
porque ouvia
tudo o que o mar contava
e lhe dizia.
In “Bartolomeu Marinheiro” – 1912
Afonso Lopes Vieira
O NOVO CANTO DA MÃE
Mãe:
Nós somos os teus filhos
Que sem vergonha
Quebraram as fronteiras do silêncio.
Os filhos sem manhãs
Que rasgaram as noites que cobriam
As carnes das tuas carnes.
Nós somos, Mãezinha,
Os teus filhos,
Os pés descalços,
Esfomeados,
Os meninos das roças,
Do cais,
Os capitães d’areia,
Os meninos negros à margem da vida,
Que despedaçaram o destino do teu ventre,
Que endireitaram os instantes
Que marcaram socalcos na terra firme,
Na profundidade das trevas da tua vida.
Nós somos, Mãezinha, os teus filhos,
Sexos que germinaram vida,
Forças que desfloraram a virgindade dos dogmas,
Fecundaram minérios de esperança,
Olhos, dinamite de amor,
Mãos que esfacelaram a espessura dos obós,
E em cujo silêncio verde
Germina a CERTEZA.
Mãezinha,
Nós somos os teus filhos.
In “Antologia Temática de Poesia Africana I”
Editora Sá da Costa
Tomás Medeiros
(Poeta de São Tomense)
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