TALVEZ
Talvez não ser é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando o meio dia
com uma flor azul, sem que caminhes
mais tarde pela névoa e os ladrilhos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim, sem que viesses
brusca, incitante, conhecer a minha vida,
aragem de roseira, trigo do vento,
e desde então, sou porque tu és,
e desde então és, sou e somos...
E por amor serei... Serás... Seremos...
In “Cem Sonetos de Amor”
Pablo Neruda
(Poeta Chileno)
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
In “Seara Nova” N.º 526 – 11/9/1937
Fernando Pessoa
APROVEITANDO UMA ABERTA
«Ó virgens que passais ao sol-poente»
com esses filhos-familia,
pensai, primeiro, na mobília,
que é mais prudente.
Sim, que essa qualidade,
tão bem reconstituída,
nem sempre, revirgens, há-de
proporcionar-vos a vida
que levais.
Se um tolo nunca vem só,
quando não vem, não vem mais
ou vem, digamos, por dó…
E o dó dói como um soco,
até mesmo quando parte
de um tolo que a vossa arte
promoveu de tolo a louco.
Eu quando digo mobília,
digo lar, digo família
e aquela espiada fresta,
aberta, patente, honesta,
retrato oval da virtude,
consoladora do triste,
remanso, beatitude
para o colérico em riste.
Assim, sim, virgens sensatas!
(Nos telhados só as gatas…)
Pensai antes na mobília,
honestas mães de família,
e aceitai respeitos mil
do vosso
Alexandre O’Neil!
In “Poesias Completas”
Alexandre O’Neil
GRAVADOR
Gravador, está gravando
Aqui no nosso ambiente.
Tu gravas a minha voz,
O meu verso, o meu repente,
Mas gravador tu não gravas
A dor que o meu peito sente.
Tu gravas em tuas fitas
Com a maior perfeição
O timbre da minha voz
E a minha fraca expressão,
Mas não gravas a dor grave
Gravada em meu coração.
Gravador, tu és feliz
E ai de mim, o que esperar?
Bem podes ter desgravado
Quem em tua fita está,
Mas a dor do meu coração
Jamais se desgravará.
In “Empório Brasil” – S. Paulo – 1988
Editora Clube do Livro/Melhoramentos
António Gonçalves da Silva
(Poeta Popular Brasileiro, conhecido
pela alcunha de Patativa do Assaré)
CANÇÃO DE BOÉMIOS
Oh vós, que do canto sois velhos fregueses,
Ouvi destas liras o mélico emprego!
Nós somos as gemas, os bifes ingleses,
Os paios das filhas do claro Mondego.
Sorri-nos a vida nos cálices cheios
Dos roxos falernos das parras das Beira;
Sorri-nos a Céres dos túmidos seios;
Sorri-nos dos bosques a Vénus ligeira.
Nos mestos papiros da ciência moderna
A droga se encontra que ao sono convida;
Queimemo-los todos, que só na taberna
Os livros se encontram da ciência da vida.
Ao vento os cabelos! Por montes e vales
Corramos no passo das gregas choreas!
Bachantes das praças, vibrai os cimbales!
Abri as portas, gentis Galanteas!
Lira dos Pangloss
In “Rimas”
Estante Editora – Dezembro.1990
João Penha
CHICO BOATEIRO
Olha o Chico Boateiro
que prazer mais lindo,
de contar mentiras
de tão lindo enredo,
e diz que foi com ele
que aconteceu.
Às vezes triste fica
a sua prosa.
Diz que foi a Rosa,
diz que foi o amor,
que vem de longe
este seu desatino,
que quem faz destino
o Nosso Senhor
desde menino
mostra a sua dor.
Olha a moça na janela
manda lá pro fundo
que a estória é forte,
a melhor do mundo,
e o Chico Boateiro
diz que aconteceu.
Mas… eis que um dia
se desfaz a roda,
a gente pára a moda,
o mundo se acabou,
vem outro Chico
pra falar de Chico
pra contar das contas
que ele não pagou
e conta a morte
QUE ELE NÃO CONTOU.
In “Empório Brasil” – S. Paulo – 1988
Editora Clube do Livro/Melhoramentos
Rolando Boldrin
(cantor, actor e apresentador
de televisão brasileiro)
. Mais poesia em
. Eu li...
. Eu li... Charles Baudelai...
. Eu li... Carlos Drummont ...
. Eu li... Juan Ramón Jimén...
. Eu li... Vincenzo Cardare...