UMA PERFEIÇÃO DE CÃO
Conheci um cão
Que falava
Que escutava
Que cantava
Que brincava
Que ladrava
Que fazia o pino
E que era um grande dançarino.
Que jogava à bola
Que perdia
Que ganhava.
Que estudava
E que andava
Comigo na escola.
E que tal?
Era ou não
Uma perfeição de cão?
Não acreditam?
Fazem mal.
Era um cão
De imaginação...
In “O Livro do Faz-de-Conta”
Maria Cândida Mendonça
ALÉM-PRAÇA – ALÉM RUA
Além praça – além rua,
além rua - além porta,
aquela casa e o escuro.
E no escuro, transposto o espaço,
por baixo dum tecto baixo
o quarto da sempre vida
o do riso secretíssimo
e a cama larga do quarto
em que te deitas sorrindo,
todos os dias sorrindo.
E também,
todos os dias,
sob a porta, insinuada,
raiando o chão e espraiada,
a réstia do som da rua.
In "Partitura"
Edições Colibri – 1999
Fátima Andersen
OS AMIGOS
Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
In “De Igual Para Igual”
Assírio & Alvim
José Tolentino Mendonça
ÚLTIMA VÉSPERA
Agora que um longo inverno se aproxima
com os seus labirintos de sombra,
regresso àquela véspera
de onde se parte sempre,
acesos os afluentes da espera
ou as fulvas crateras da guerrilha.
Agora que as asas do silêncio
se insinuam, na crescente mancha
dos espelhos, recebo os teus olhos
como um recém-nascido, vulnerável
e combalido pela luz recente, recebe
a água do seu primeiro banho.
In “A Enganosa Respiração da Manhã”
Edições Asa – Porto – 2002
Inês Lourenço
NEVOEIRO
O uivo do farol
atrai traiçoeiramente
o nevoeiro
como se atraem
com olhares furtivos
os amantes
a quem a morte
alcança ainda nus
antes de serem vestidos
pela velhice.
Dessa união,
os frutos incriados navegam
atraídos pelos faróis do silêncio,
muito para além do nevoeiro.
Jamais encontrarão
os seus lugares
nos retratos.
Foz do Douro, 1998
In “Os Retratos”
Edições Pedra Formosa
Laureano Silveira
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